Flávio Dino não sugeriu descriminalizar ou legalizar furtos quando defendeu penas alternativas

  • Publicado em 8 de fevereiro de 2024 às 16:35
  • 3 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
Desde que o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Flávio Dino defendeu, em 31 de janeiro de 2024, que crimes menos graves recebessem penas alternativas à prisão, sua fala circula de maneira enganosa. Segundo as publicações, que acumulam mais de 6,5 mil visualizações, Dino teria sugerido a descriminalização, ou até a legalização, de pequenos furtos e outros delitos. Isso não é verdade: o ex-ministro deixou claro que não defendia a leniência, e sim o uso de outros tipos de pena em casos menos graves. Do ponto de vista legal, isso não equivale nem à descriminalização, nem à legalização.

“Flávio Dino defende a legalização de furtos”, diz uma das publicações compartilhadas no Facebook. Alegações similares circulam no Instagram e no TikTok.

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Captura de tela feita em 8 de fevereiro de 2024 de uma publicação no Facebook (.)

As publicações virais compartilham um trecho de uma fala proferida por Dino durante uma coletiva de imprensa transmitida ao vivo em 31 de janeiro, na qual o ex-ministro do Executivo fez um balanço da segurança pública no Brasil em 2023. 

No trecho usado nas publicações, Dino é visto dizendo: “Estuprador tem que ser preso. Homicida tem que ser preso. Autor de crime hediondo tem que ser preso. Mas uma pessoa que eventualmente praticou um delito de trânsito, um furto, ou mesmo situações envolvendo crimes relativos ao patrimônio, de um modo geral… Então, imagino que seja por aí. Se der tempo, eu vou apresentar um projeto de lei no Senado sobre o assunto”.

Flávio Dino liderava o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) até ser indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF), cargo que assumirá em 22 de fevereiro. Ele foi substituído pelo ex-ministro do STF Ricardo Lewandowski, que assumiu a pasta em 1º de fevereiro. Até sua posse na Suprema Corte, Dino retorna ao cargo de senador, que havia deixado quando assumiu o MJSP.

No vídeo completo, é possível ver que, diferentemente do que afirmam as publicações, Dino não defende que crimes como furto e assaltos sejam descriminalizados, ou legalizados, e sim que o Estado passe a aplicar outros tipos de pena como forma de reduzir a população carcerária.

Descriminalização e legalização

Segundo a doutora em Direito Penal e professora da Fundação Getúlio Vargas Raquel Scalcon, os conceitos de descriminalizar e legalizar têm significados diferentes.

“Descriminalizar é fazer com que uma conduta deixe de ser crime. Mas ela pode seguir proibida por outro ramo do direito. Por exemplo: estacionar em local proibido não é crime, mas é, por óbvio, uma conduta vedada pela legislação e com sanção de multa. [Ou seja], essa conduta não é crime, mas também não é legalizada”, explicou ao AFP Checamos em 6 de fevereiro.

Já legalizar, ressalta Scalcon, significa “tornar uma conduta totalmente lícita e permitida à luz de qualquer ramo do direito”.

Em sua fala completa, pouco antes do trecho usado nos conteúdos viralizados, Dino ressaltou que não estava sugerindo uma tolerância a crimes como furto, ou outros delitos menos graves. “Nós devemos compreender que [...] as medidas chamadas de alternativas penais  — ou seja, a condenação para penas alternativas — não significam leniência, não significam fraqueza”.

Segundo o ex-ministro, o encarceramento de pessoas que tenham cometido crimes desse tipo é algo muito mais custoso ao Estado do que o uso de medidas como monitoramento, ou prisão domiciliar. 

“Então você vai encarcerar uma pessoa que não cometeu crime com violência e grave ameaça à pessoa? Não tem racionalidade até do ponto de vista fiscal”, continuou Dino, destacando que isso não seria o equivalente a soltar uma pessoa que cometeu um dos crimes citados e que as penas alternativas devem ser “rigorosas”.

Antes do trecho viral, no início do evento, o futuro integrante do STF também já havia abordado o tema, destacando o que chamou de “uso proporcional da força”. Ou seja: crimes mais graves recebem uma resposta penal igualmente grave, e crimes mais leves são respondidos pelas chamadas alternativas penais.

Segundo Scalcon, isso não significa descriminalização e nem legalização.

“Ele defendeu o uso de penas criminais popularmente chamadas de ‘alternativas’, ou seja, diversas da pena de prisão. A pena de prisão não é a única pena aplicada em casos de crime, embora seja a pena que a população em geral associa mais com a ideia de ‘punição’”, resumiu.

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