Foto viral utiliza cálculo errado do Imposto de Renda para a faixa de dois salários mínimos

  • Publicado em 29 de janeiro de 2024 às 18:47
  • 5 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
Em janeiro de 2024, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Nacional) demonstrou preocupação com o retorno do pagamento do Imposto de Renda para trabalhadores que ganham dois salários mínimos, caso a faixa de isenção do IR permaneça igual. Desde o dia 18 do mesmo mês, publicações com mais de 50 mil interações nas redes sociais apontam um cálculo com alíquota de 15% para mostrar como seria o salário dessa faixa com a tributação. Mas a conta é incorreta, uma vez que a alíquota é de 7,5% e não levou em consideração as parcelas a deduzir de cada faixa. 

“Novo salário mínimo R$ 1.412,00. Dois salários mínimos R$ 2.824,00. Menos imposto de renda 15% R$ 2.400,40. Novo salário mínimo para pessoas que recebem dois salários R$ 1.200,20. Parabéns aos envolvidos”, lê-se na imagem que circula no Instagram, no Facebook, no Kwai, no TikTok e no X

Image
Captura de tela feita em 24 de janeiro de 2024 de uma publicação no Instagram (.)

O conteúdo começou a circular após as notícias (1, 2, 3) de que um estudo da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Nacional) mostrou impactos negativos na renda de pessoas que ganham dois salários mínimos e voltarão a pagar o Imposto de Renda em 2024, devido ao aumento do salário mínimo, fixado em R$ 1.412, caso não haja correção de isenção na tabela do IR. 

Atualmente, estão isentos aqueles que recebem rendimentos mensais de até R$ 2.640, sendo que R$ 2.112 corresponde à faixa isenta pela tabela e R$ 528 à dedução simplificada, caso o trabalhador opte por esse modelo. Com o aumento do salário mínimo, quem recebe dois salários (R$ 2.824) fica fora da faixa isenta.  

A notícia do estudo da Unafisco foi compartilhada nas redes sociais como crítica ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que durante sua campanha para as eleições gerais de 2022 prometeu a isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil. 

Posteriormente, Lula se pronunciou em seu perfil do X em 23 de janeiro de 2024 garantindo que quem ganha dois salários mínimos será isento da tributação. No mesmo dia, ele repetiu a promessa em uma entrevista concedida à rádio Metrópoles. 

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também garantiu, no programa Roda Viva de 22 de janeiro de 2024, que a correção da tabela de isenção do Imposto de Renda será feita ainda este ano. Um dia depois, o ministro afirmou que a pasta estuda a isenção, que deve ser publicada até o final de janeiro de 2024.  

Mas, mesmo sem a correção da tabela, é incorreto o cálculo utilizado nas peças viralizadas. 

Alíquota de 7,5%

Uma busca no Google pelas palavras-chave “tabela mensal” e “Imposto de Renda 2024” levou a uma notícia do jornal Valor Econômico com a tabela atualizada para 2024. 

O texto informa que a tabela foi publicada por meio da lei 14.663, de 28 de agosto de 2023, que trata também da valorização do salário mínimo e segue vigente para 2024. 

Nessa tabela, ainda sem correção, é possível identificar que quem ganha o valor de dois salários mínimos, ou seja, R$ 2.824, se encaixa na alíquota de tributação de 7,5%, e não de 15%, como as peças de desinformação alegam. 

O percentual utilizado para o cálculo da imagem viral é correspondente à terceira faixa, daqueles com rendimento de R$ 2.826,66 até R$ 3.751,05: 

Image
Captura de tela feita em 24 de janeiro de 2024 do disposto na lei 14.663 (.)

Deduções  

Outros fatores que influenciam no valor do imposto são as deduções, ou seja, o que pode ser abatido da base de cálculo do salário do trabalhador. Essas também não foram consideradas nas peças de desinformação. 

A primeira é a “parcela a deduzir”, que consta na terceira coluna da tabela do IR e é usada para todo salário, como informou João Rogério Sanson, economista e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). 

Segundo ele explica, a parcela a deduzir é um cálculo em que a renda é “fatiada” para que seja considerado o percentual correto de desconto para cada base de salário. Essa parcela é levada em conta para que a faixa isenta, de R$ 2.112, não seja tributada. “Nas faixas seguintes, a parcela a deduzir ajusta para as diferenças de alíquota de faixas anteriores”

Sendo assim, considerando a alíquota de 7,5% e a parcela a deduzir, o professor mostrou qual seria um primeiro cálculo correto para a faixa utilizada nas peças de desinformação: 

“Aplica os 7,5% sobre R$ 2.824,00 e abate disso a Parcela a Deduzir para chegar ao imposto a pagar. Portanto, 2.824,00 x (7,5/100) é R$ 211,80. Em seguida, desconta R$ 158,40, o que resulta em R$ 53,40 de imposto a pagar”

O professor reforçou que esse cálculo não considera o desconto de contribuição do INSS e outras variáveis que podem ser usadas e são descontadas diretamente da folha de pagamento, como o número de dependentes do trabalhador. Essas variáveis compõem a chamada "dedução legal", em que é necessário comprovação. 

Outra opção de dedução é a declaração simplificada, como acrescentou a especialista em Imposto de Renda e microempreendedor individual (MEI) Larissa Rafael. Nesse modelo, o cálculo é feito com um desconto fixo e não considera o INSS ou os dependentes. Assim, é aplicado somente o desconto de R$ 528 e a parcela a deduzir. 

A atual dedução por declaração simplificada foi instituída também com a lei 14.663, junto ao aumento da faixa de isenção para R$ 2.112. Ao considerar essa opção na folha de pagamento, o imposto a pagar para a faixa de R$ 2.824 seria de aproximadamente R$ 14, segundo a especialista. 

“Considerando os dois jeitos de dedução, o cálculo [que circula nas imagens virais] está totalmente errado”, finalizou Larissa Rafael. 

O AFP Checamos já verificou outros conteúdos envolvendo o Imposto de Renda (1, 2, 3). 
 

Referências 

Há alguma informação que você gostaria que o serviço de checagem da AFP no Brasil verificasse?

Entre em contato conosco