Audiência de custódia em que detento ganha café não mostra acusado de balear sargento em MG

  • Publicado em 16 de janeiro de 2024 às 15:34
  • 4 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
A gravação de uma audiência de custódia de 10 de janeiro de 2024, na qual uma juíza oferece café ao acusado, não tem relação com o assassinato do sargento Roger Dias da Cunha, da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG). Em publicações compartilhadas mais de 1,9 mil vezes, usuários criticam o tratamento dado ao homem, que teria baleado o policial. Mas a AFP teve acesso à ata da oitiva e confirmou junto à PMMG que a pessoa do vídeo não é a autora dos disparos. Além disso, o Conselho Nacional de Justiça estabelece que tais audiências devem ocorrer em condições adequadas para o custodiado.

“Vagabundo que matou o policial em BH. Se esse é o meliante, se isso é audiência de custódia, amigos, nós ainda vamos chorar a morte de muitos pais ou mães que atuam como oficiais em defesa da sociedade”, diz uma das publicações compartilhadas no Facebook

Mensagens com o mesmo teor circulam também no Instagram, no TikTok, no Kwai e no X.

Image
Captura de tela feita em 12 de janeiro de 2024 de uma publicação no Facebook (.)

As mensagens fazem referência à morte do sargento Roger Dias da Cunha, da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), que foi baleado durante uma perseguição a dois suspeitos em 5 de janeiro de 2024. 

O sargento teve sua morte confirmada pela Polícia Militar dois dias depois, em 7 de janeiro. Ainda segundo a PMMG, o autor dos disparos havia recebido uma autorização temporária para sair da prisão, um direito popularmente conhecido como “saidinha”.

A gravação compartilhada nas redes sociais mostra uma audiência de custódia realizada em 10 de janeiro de 2024, com um réu de 20 anos identificado como “Luan Gomes” no trecho viralizado. Na sequência, a juíza responsável pela audiência pede que as algemas de Gomes sejam removidas, pergunta se ele está com frio e também lhe oferece um café.

O homem visto no vídeo, porém, não tem relação com a morte de Roger Dias da Cunha. 

Segundo informações divulgadas pela imprensa (1, 2), o autor dos disparos seria um homem de 25 anos chamado Welbert de Souza Fagundes, e não Luan Gomes. O outro suspeito seria Geovanni Faria de Carvalho, de 33 anos. Ambos tiveram a prisão preventiva decretada em 7 de janeiro, após a realização da audiência de custódia. A data da audiência, portanto, tampouco coincide com a vista no vídeo viral.

Em 11 de janeiro, o AFP Checamos enviou o vídeo viral à assessoria de imprensa da PMMG, que confirmou que o homem da gravação não é o acusado pela morte do sargento.

“A Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) esclarece que a pessoa do material enviado pela Agence France Press (AFP) não corresponde ao autor dos disparos que matou o sargento Roger Dias. A PMMG esclarece, ainda, que os dois envolvidos no homicídio do militar se encontram presos”, diz a nota enviada pela corporação ao AFP Checamos.

Audiência ocorreu em Roraima, não em MG

Outros elementos também permitem concluir que o homem visto no vídeo viralizado não tem relação com o caso de Minas Gerais.

No X, um usuário comentou que a audiência em questão teria ocorrido em Roraima. Uma pesquisa no Google pelo uniforme usado por detentos nesse estado de fato mostrou similaridades com a roupa vista no vídeo (1, 2).

O AFP Checamos procurou o Ministério Público de Roraima para mais informações e obteve acesso à ata da audiência de custódia de Luan Gomes. 

No documento, é possível verificar que a acusação contra Gomes não tem relação com o crime de homicídio. A ata também indica que a prisão em flagrante foi considerada regular e que o acusado, portanto, não foi solto.

A AFP também procurou o Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR), mas a instituição afirmou que não pode divulgar informações sobre Gomes por previsão legal.

Previsões legais para audiência de custódia

Além disso, apesar de a conduta da juíza ter sido alvo de críticas nas redes sociais, a legislação estabelece que “as audiências de custódia devem ocorrer em condições adequadas, respeitando os princípios dos direitos humanos”, conforme ressaltado pelo TJRR na resposta enviada ao AFP Checamos.

Realizada no Brasil desde 2015, a audiência de custódia é um instrumento processual que tem por objetivo garantir a legalidade e a regularidade das prisões em flagrante. 

Ao apresentar a pessoa presa rapidamente perante um juiz, as audiências permitem, por exemplo, que o juiz avalie se os fundamentos que motivaram a prisão se mantêm e se houve tratamento desumano, ou degradante.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ressalta que a realização dessas audiências está prevista em pactos e tratados internacionais de direitos humanos internalizados pelo Brasil, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos.

Dessa forma, a Resolução 213/2015 do CNJ estabelece que a audiência de custódia deve ocorrer em condições adequadas “que tornem possível o depoimento por parte da pessoa custodiada, livre de ameaças ou intimidações em potencial que possam inibir o relato de práticas de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes a que tenha sido submetida”.

Como dito pela juíza no vídeo viral, a resolução também estabelece que a pessoa custodiada não deve permanecer algemada, exceto nos casos em que apresente risco de fuga, ou represente uma ameaça à sua própria integridade física, ou à dos demais.

Referências

Há alguma informação que você gostaria que o serviço de checagem da AFP no Brasil verificasse?

Entre em contato conosco