Capa com sátira à Justiça brasileira não foi publicada no jornal francês Le Monde em 2023

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  • Publicado em 12 de janeiro de 2024 às 19:37
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  • Por AFP Brasil
Uma charge que satiriza o Poder Judiciário brasileiro não é recente e nem foi publicada pelo “jornal francês Le Monde”, como alegam postagens com centenas de visualizações nas redes sociais desde o fim de dezembro de 2023. Na verdade, a imagem foi capa da versão brasileira da revista “Le Monde Diplomatique” — uma filial do Le Monde, mas com linha editorial independente — na edição de março de 2018. No texto de capa, o veículo criticava a atuação do sistema judiciário brasileiro na época, em especial envolvendo o então juiz Sergio Moro e a condenação de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

“O jornal francês Le Monde publicou esta charge mostrando o tribunal brasileiro com homens de toga assassinando a justiça e o povo assistindo a tudo com camisa de futebol”, diz o texto que acompanha uma charge em publicações no Facebook, no Instagram e no X.

Essa imagem já havia sido compartilhada em publicações em 2019.

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Captura de tela feita em 8 de janeiro de 2023 de uma publicação no X (.)

Na ilustração, é possível notar a presença de espectadores com camisas verde e amarela prestes a presenciar o enforcamento público de uma figura que se assemelha à escultura “A Justiça”, de Alfredo Ceschiatti, obra situada em frente ao palácio do Supremo Tribunal Federal (STF).

No palanque, como se estivessem liderando o enforcamento, há dois homens de toga, dois militares e um indivíduo de terno usando o que parece ser uma faixa presidencial. 

Desde o fim de 2023, o conteúdo volta a circular em um momento de destaque para decisões do Supremo Tribunal Federal, principalmente envolvendo a condenação de réus pelos atos de 8 de janeiro de 2023. Partidários e o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) criticam a gravidade das penas, que chegaram a até 17 anos.

Mas a charge não foi publicada nesse contexto.

Crítica feita em 2018

Uma busca pelas palavras-chave “Le Monde”, “charge” e “Justiça brasileira” levou ao site da revista Le Monde Diplomatique Brasil. A imagem viralizada ilustrou a capa da edição 128, veiculada em março de 2018. 

Uma segunda busca, dessa vez pelos termos “edição completa 128 Le Monde Diplomatique Brasil”, permitiu observar que, na ocasião, o veículo mencionou o que chamou de “tribunais da exceção”, com críticas aos poderes Judiciário e Executivo ao longo da edição

Nas páginas 4 e 5 da revista, o texto intitulado “Poder Judiciário: a ponta de lança da luta de classes” descreve a reflexão sobre a Justiça brasileira que motivou a ilustração na capa. A matéria afirma que, desde a Constituição de 1988, o Poder Judiciário assumiu um “protagonismo” no país, onde juízes e agentes do Poder Legislativo possuem autonomia para tomar decisões que podem impactar o cenário político nacional.

Um dos principais exemplos mencionados foi a visibilidade que o então juiz Sergio Moro, como uma autoridade de primeira instância, alcançou com a Operação Lava Jato, assumindo uma “posição central” na política brasileira.

O texto fala, também, sobre o impacto de ações do Judiciário nas eleições de 2018, com o julgamento de Lula, e no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016.

Veículos com linhas editoriais independentes

Os usuários alegam nas publicações que a charge teria sido produzida pelo veículo internacional francês Le Monde, o que é enganoso. 

Embora o Le Monde Diplomatique Brasil seja originário do francês Le Monde, e este ainda seja detentor de parte dos direitos econômicos do Diplomatique Brasil, ambas passaram por um processo de independência editorial em 1996.

O Le Monde Diplomatique conta com escritórios em dezenas de lugares do mundo e publica mensalmente edições em 25 idiomas, com reportagens e editorias voltadas para seus respectivos países. 

O veículo descreve sua linha editorial como uma forma de potencializar o “pensamento crítico, a reflexão e o debate de temas prementes da sociedade”, e destaca que não tem como objetivo abordar “fatos correntes”

“É importante ressaltar que não se trata de uma publicação noticiosa, voltada à cobertura dos fatos correntes, mas de uma publicação reflexiva, que busca identificar, para além dos fatos, os cenários maiores que lhes conferem sentido e inteligibilidade.” 

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