É falso que STM concedeu habeas corpus para presos pelo 8 de janeiro um ano após os atos

  • Publicado em 10 de janeiro de 2024 às 17:14
  • 4 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
Em 8 de janeiro de 2023, apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília, o que resultou na prisão de alguns envolvidos. Na véspera do aniversário de um ano dos atos, voltou a circular nas redes sociais um vídeo que supostamente mostra os acusados pela invasão comemorando um habeas corpus que teria acabado de ser concedido pelo Superior Tribunal Militar (STM). Contudo, o vídeo foi gravado em janeiro de 2023 e o STM confirmou à AFP que não concedeu habeas corpus aos detidos. 

“Isso foi ontem!!!!! TENTANDO REPARAR AS FALHAS DO EXÉRCITO STM Supremo Tribunal Militar PEITOU E LIBEROU TODOS DA PAPUDA, DEU HABEAS CORPUS A TODOS!”, diz um trecho da legenda que acompanha o vídeo no Instagram e no Facebook. A gravação, visualizada mais de 13 mil vezes, também circula no TikTok.   

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Captura de tela feita em 10 de janeiro de 2024 de uma publicação no Instagram (.)

A gravação mostra um pátio cheio de pessoas ao redor do senador Marcos do Val (Podemos) enquanto cantam: “Eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”. O vídeo contém um texto sobreposto que diz: “Brasileiros cantam ao deixarem o campo de concentração”. 

A alegação circula desde maio de 2023 e voltou a ser compartilhada nas redes sociais dias antes do aniversário de um ano dos atos de 8 de janeiro. Nessa data, apoiadores de Bolsonaro invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília, uma semana após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). 

Como consequência da invasão, 2.170 pessoas foram detidas na Academia Nacional de Polícia da capital. Até janeiro de 2024, 30 pessoas foram condenadas e 66 continuavam presas de forma preventiva. Os atos de 8 de janeiro também resultaram em uma CPI que pediu o indiciamento de mais de 60 pessoas, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro, por associação criminosa, violência política, abolição do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

Apoiadores de Bolsonaro se manifestam nas redes sociais contra as prisões e condenações, inclusive negando a existência de um plano de golpe de Estado e criticando as penas dadas aos detidos. As críticas ganharam força depois que um dos presos morreu após um mal súbito no presídio da Papuda. 

Mas, diferentemente do que as peças de desinformação apontam, a gravação não foi feita em dezembro de 2023 e tampouco mostra brasileiros comemorando habeas corpus concedido pelo STM.  

Uma busca reversa por fragmentos da gravação no Google resultou no mesmo vídeo publicado na conta de Marcos do Val no X em 12 de janeiro de 2023. A sequência também foi publicada no Kwai dois dias antes pelo usuário “Anonimos2021”, marca d’água visível no vídeo. 

A gravação mostra a visita do senador aos detidos pela invasão na Academia da Polícia Federal em 10 de janeiro de 2023. Na ocasião, ele estava no local para averiguar as condições em que os detidos estavam sendo mantidos. 

Outro vídeo foi publicado pelo senador em seu Instagram no dia da visita. Na sequência, ele descreve o local como “caótico” e é possível ouvir os detidos gritando por “liberdade”. Não há qualquer menção à concessão de algum habeas corpus nas imagens.

STM não concedeu habeas corpus

Ao contrário do que as peças de desinformação afirmam, o STM recusou um pedido coletivo de habeas corpus em favor dos detidos em janeiro de 2023. À época, a Corte militar não reconheceu o pedido como válido, uma vez que colocava o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes como autoridade coatora das pessoas detidas.   

O STM ressaltou ainda que não compete ao órgão julgar habeas corpus preventivo, de caráter coletivo, uma vez que o pedido alegava que a ilegalidade teria sido praticada por Alexandre de Moraes. 

“Como é notório, no âmbito da repartição das competências constitucionais atribuídas ao Poder Judiciário, o Superior Tribunal Militar encontra-se subordinado à Corte Suprema e não caberia questionar suas decisões”, afirmou o STM no texto.

“Além disso, o grave cenário criminoso que nos deparamos no último domingo, dia 8.1.23, não revela manifestação com fins pacíficos. Ao revés, vimos com espanto conjuntura extremamente grave, do ponto de vista político e jurídico, com afronta ao Estado Democrático de Direito. Nesse contexto, tal movimento não encontra guarida na Constituição e demais normas do ordenamento jurídico brasileiro”, acrescentou.

Quando a peça de desinformação começou a circular, em maio de 2023, a Corte militar havia negado ao AFP Checamos que tivesse concedido um habeas corpus aos detidos pelos atos. 

Contatados novamente pela equipe, a assessoria do STM confirmou, em 8 de janeiro de 2024, que não concedeu habeas corpus aos detidos no período que se passou.

“O STM não aprecia os casos que envolvem os atos de 8 de janeiro, em Brasília. Os processos, como é de amplo conhecimento, estão tramitando no Supremo Tribunal Federal. A Justiça Militar da União/STM não tem competência para apreciar habeas corpus para os condenados dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro”, informou a nota. 

Sem registros envolvendo TPI 

Os conteúdos virais afirmam também que o Tribunal Penal Internacional, mais conhecido como Tribunal de Haia, teria “mandado libertar os patriotas inocentes”. Mas pesquisas no site do órgão não permitiram encontrar nenhuma ação do tipo. 

Atualmente, a Corte julga 31 casos e nenhum deles é brasileiro. Além disso, é descrito no site que o tribunal não atua sozinho nos casos: “Como tribunal de última instância, procura complementar, e não substituir, os tribunais nacionais”.

Outros conteúdos sobre o ataque de 8 de janeiro já foram verificados pelo AFP Checamos (1, 2, 3).

Essa alegação foi verificada pela Reuters

Referências 

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