Pacto de San José não impede decisões do TSE que deixaram Jair Bolsonaro inelegível

  • Publicado em 2 de janeiro de 2024 às 20:16
  • 4 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
Não é verdade que o Pacto de San José da Costa Rica impeça as decisões tomadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em junho e outubro de 2023 que tornaram o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) inelegível. Mas um vídeo visualizado mais de 227 mil vezes desde 8 de dezembro nas redes sociais alega que o tratado internacional tornaria inconstitucionais duas leis usadas para fundamentar as sentenças. Na verdade, especialistas consultados reiteraram que os julgamentos continuam válidos e que a inelegibilidade por abuso de poder está prevista na Constituição.

“Ele [Jair Bolsonaro] não está inelegível e eu vou explicar pra vocês em três pontos. Primeiro: a Lei Complementar 64/90 e seu remake horripilante, a Lei Complementar 135/90, são ambas inconstitucionais em que pese o entendimento contrário do STF. Por que? (...) Somos parte do Pacto de San José da Costa Rica, sendo assim o tratado tem força de emenda constitucional, ou seja, ele está acima das normas infraconstitucionais (...) A perda de direitos políticos indevida de Bolsonaro violou o artigo 23 do pacto”, diz uma mulher em um vídeo compartilhado no Instagram, no Facebook e no Kwai.

Na sequência, a mulher lê o artigo 23 da Convenção Americana de Direitos Humanos, ou Pacto de San José, e diz que a decisão seria ilegal porque o ex-presidente Bolsonaro não foi condenado em um processo penal. Uma alegação semelhante também circula no TikTok.

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Captura de tela feita em 28 de dezembro de 2023 de uma publicação no TikTok (.)

Em junho de 2023, o TSE condenou Bolsonaro por abuso de poder político durante uma reunião realizada em julho de 2022 com embaixadores, na qual o então mandatário disseminou desinformação sobre o sistema eleitoral brasileiro. Com a decisão do Tribunal, o ex-presidente se tornou inelegível por oito anos.

Bolsonaro foi declarado inelegível novamente em outubro de 2023 por ter usado as celebrações do Dia da Independência, o feriado de 7 de setembro de 2022, para fins eleitorais.

Em ambas as ações (1, 2), o relator Benedito Gonçalves se baseou na Lei Complementar 64/1990, conhecida como Lei de Inelegibilidade, que é citada na sequência viral. 

No primeiro julgamento, o ministro também citou a Lei Complementar 135/2010, que é mencionada no vídeo e que alterou a Lei de Inelegibilidade para “incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato”.

Contudo, não é verdade que a Convenção Americana De Direitos Humanos torna ilegais as decisões do TSE que deixaram Bolsonaro inelegível.

O Pacto de San José

Procurado pelo Comprova, projeto de verificação do qual o AFP Checamos faz parte, o advogado Ludgero Liberato, membro da Academia Brasileira de Direito Político e Eleitoral (Abradep), afirmou que as decisões do TSE continuam válidas.

“Pode-se dizer que a inelegibilidade pode ser questionada por contrariar o Pacto San José da Costa Rica. Pode-se dizer que a decisão é controversa, em relação ao pacto. Mas dizer que ele não é inelegível, não. Até que as decisões da Justiça Eleitoral a respeito de Bolsonaro sejam reformadas ou anuladas, elas estão valendo.”

Liberato também explica que o tratado está abaixo da Constituição e acima das demais leis, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF). Esse parecer foi adotado pela Corte para tratados internacionais de direitos humanos aderidos pelo Brasil antes de 2004, como é o caso do Pacto de San José, assinado pelo país em 1992.

Antes desse entendimento, os tratados tinham força de lei ordinária. Em 2004, foi aprovada a Emenda Constitucional 45, que garante status de Emenda à Constituição aos tratados internacionais de direitos humanos que passarem pelo mesmo rito de aprovação de um Projeto de Emenda Constitucional (PEC).

“Criou-se um problema entre aqueles pactos que entraram em vigor antes da EC 45/2004, como é o caso do Pacto San José da Costa Rica. O entendimento atual do Supremo é que este tratado está abaixo das emendas constitucionais, mas acima das leis ordinárias”, esclarece o advogado.

O que diz a Constituição

Os casos de inelegibilidade também são compreendidos pelo artigo 14 da Constituição Federal. O parágrafo 9º determina que uma lei complementar estabelecerá casos de inelegibilidade que protejam a probidade administrativa e cita “a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”.

Consultado pelo Comprova, o professor de Direito Público da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da PUC-MG, José Luiz Quadros Magalhães, aponta que a Constituição cria e define a Justiça Eleitoral e determina quais poderes ela terá.

“O fato é que a Constituição cria a Justiça Eleitoral, uma jurisdição eleitoral e estabelece normas para o funcionamento do processo eleitoral, inclusive a competência dos Tribunais Regionais Eleitorais e do TSE para julgar o que julgou”, avalia.

Esse texto faz parte do Projeto Comprova. Participaram jornalistas de A Gazeta e SBT News. O material foi adaptado pelo AFP Checamos.

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