Pacto de San José não impede decisões do TSE que deixaram Jair Bolsonaro inelegível
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- Publicado em 2 de janeiro de 2024 às 20:16
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- Por AFP Brasil
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“Ele [Jair Bolsonaro] não está inelegível e eu vou explicar pra vocês em três pontos. Primeiro: a Lei Complementar 64/90 e seu remake horripilante, a Lei Complementar 135/90, são ambas inconstitucionais em que pese o entendimento contrário do STF. Por que? (...) Somos parte do Pacto de San José da Costa Rica, sendo assim o tratado tem força de emenda constitucional, ou seja, ele está acima das normas infraconstitucionais (...) A perda de direitos políticos indevida de Bolsonaro violou o artigo 23 do pacto”, diz uma mulher em um vídeo compartilhado no Instagram, no Facebook e no Kwai.
Na sequência, a mulher lê o artigo 23 da Convenção Americana de Direitos Humanos, ou Pacto de San José, e diz que a decisão seria ilegal porque o ex-presidente Bolsonaro não foi condenado em um processo penal. Uma alegação semelhante também circula no TikTok.
Em junho de 2023, o TSE condenou Bolsonaro por abuso de poder político durante uma reunião realizada em julho de 2022 com embaixadores, na qual o então mandatário disseminou desinformação sobre o sistema eleitoral brasileiro. Com a decisão do Tribunal, o ex-presidente se tornou inelegível por oito anos.
Bolsonaro foi declarado inelegível novamente em outubro de 2023 por ter usado as celebrações do Dia da Independência, o feriado de 7 de setembro de 2022, para fins eleitorais.
Em ambas as ações (1, 2), o relator Benedito Gonçalves se baseou na Lei Complementar 64/1990, conhecida como Lei de Inelegibilidade, que é citada na sequência viral.
No primeiro julgamento, o ministro também citou a Lei Complementar 135/2010, que é mencionada no vídeo e que alterou a Lei de Inelegibilidade para “incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato”.
Contudo, não é verdade que a Convenção Americana De Direitos Humanos torna ilegais as decisões do TSE que deixaram Bolsonaro inelegível.
O Pacto de San José
Procurado pelo Comprova, projeto de verificação do qual o AFP Checamos faz parte, o advogado Ludgero Liberato, membro da Academia Brasileira de Direito Político e Eleitoral (Abradep), afirmou que as decisões do TSE continuam válidas.
“Pode-se dizer que a inelegibilidade pode ser questionada por contrariar o Pacto San José da Costa Rica. Pode-se dizer que a decisão é controversa, em relação ao pacto. Mas dizer que ele não é inelegível, não. Até que as decisões da Justiça Eleitoral a respeito de Bolsonaro sejam reformadas ou anuladas, elas estão valendo.”
Liberato também explica que o tratado está abaixo da Constituição e acima das demais leis, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF). Esse parecer foi adotado pela Corte para tratados internacionais de direitos humanos aderidos pelo Brasil antes de 2004, como é o caso do Pacto de San José, assinado pelo país em 1992.
Antes desse entendimento, os tratados tinham força de lei ordinária. Em 2004, foi aprovada a Emenda Constitucional 45, que garante status de Emenda à Constituição aos tratados internacionais de direitos humanos que passarem pelo mesmo rito de aprovação de um Projeto de Emenda Constitucional (PEC).
“Criou-se um problema entre aqueles pactos que entraram em vigor antes da EC 45/2004, como é o caso do Pacto San José da Costa Rica. O entendimento atual do Supremo é que este tratado está abaixo das emendas constitucionais, mas acima das leis ordinárias”, esclarece o advogado.
O que diz a Constituição
Os casos de inelegibilidade também são compreendidos pelo artigo 14 da Constituição Federal. O parágrafo 9º determina que uma lei complementar estabelecerá casos de inelegibilidade que protejam a probidade administrativa e cita “a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”.
Consultado pelo Comprova, o professor de Direito Público da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da PUC-MG, José Luiz Quadros Magalhães, aponta que a Constituição cria e define a Justiça Eleitoral e determina quais poderes ela terá.
“O fato é que a Constituição cria a Justiça Eleitoral, uma jurisdição eleitoral e estabelece normas para o funcionamento do processo eleitoral, inclusive a competência dos Tribunais Regionais Eleitorais e do TSE para julgar o que julgou”, avalia.
Esse texto faz parte do Projeto Comprova. Participaram jornalistas de A Gazeta e SBT News. O material foi adaptado pelo AFP Checamos.