Um experimento com plantas não prova que as redes Wi-Fi são nocivas para as pessoas

Não há comprovação científica de que as redes Wi-Fi sejam prejudiciais para a saúde das pessoas, ao contrário do que indica um vídeo que soma centenas de interações nas redes sociais em publicações desde 10 de julho de 2023. A sequência mostra um experimento escolar em que supostamente a proximidade de um roteador impediu o crescimento de uma planta. Porém, o teste não teve rigor científico e não considerou variáveis como o calor que é gerado pelo aparelho, segundo indicaram especialistas à AFP.

“NESTE VÍDEO VOCÊ VÊ CLARAMENTE OS EFEITOS DA RADIAÇÃO EMF WIFI SOBRE SERES VIVOS E FORMAS DE VIDA COMO SEMENTES, PLANTAS, ESPERMA, CÉLULAS CEREBRAIS, HUMANOS, ANIMAIS, e assim por diante...”, diz uma das publicações que circulam no Facebook, no Instagram, no TikTok, no Kwai e no YouTube.

Alegação semelhante circula em espanhol.

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Captura de tela feita em 27 de dezembro de 2023 de uma publicação no Instagram ( .)

No vídeo, com pouco mais de um minuto de duração, um narrador menciona um teste feito com alunos em dois recipientes com sementes, e afirma: “Vamos cultivar algumas plantas lá dentro. Um deles sem sinal Wi-Fi, um deles com sinal Wi-Fi”.

Após o resultado mostrar que a planta no recipiente com Wi-Fi não cresceu e a outra, sem o sinal, ter crescido, uma pessoa pergunta: “Qual é a primeira coisa que você vai fazer? Você fica com o celular nas mãos. Você acabou de assistir este vídeo. O que você está indo para o Google?”. Na sequência, uma pessoa aparece pesquisando “Wi-Fi mata plantas ou outros seres vivos”.

Em seguida, um questionamento é feito: “A rede sem fios prejudica o nosso corpo física e mentalmente?”.

Wi-Fi inofensivo

Florian Kohn, consultor científico no Centro de Competência em Campos Eletromagnéticos (EMF) do Escritório Federal Alemão de Proteção Radiológica (BfS), afirmou à AFP, em e-mail enviado em 14 de novembro de 2023, “que os campos Wi-Fi não têm energia suficiente para causar danos a células ou moléculas”.

A tecnologia Wi-Fi faz parte das redes locais sem fio WLAN (Wireless LAN). Estas, assim como as comunicações móveis, pertencem aos chamados campos eletromagnéticos de alta frequência (HF-EMF).

Os HF-EMF pertencem às “radiações não ionizantes”, disse o especialista. De acordo com ele, o conteúdo energético desses campos é considerado baixo para poder prejudicar diretamente as células e moléculas.

“As radiações ionizantes, como os raios-X, só podem causar danos às células porque transportam muito mais energia”, destacou Kohn, que também é professor da Universidade de Honenheim, em Stuttgart.

No entanto, em comparação com as WLANs, os raios-X têm aproximadamente três bilhões de vezes mais energia, afirmou Kohn. “O único efeito cientificamente comprovado até o momento dos HF-EMF é o aquecimento”, como ocorre em campos de telefones móveis e de WLAN, que aquecem o corpo humano.

“Para que este aquecimento não seja tão forte a ponto de afetar negativamente a nossa saúde, existem valores-limite para proteger de forma confiável também os grupos de pessoas como crianças e doentes”, disse Kohn.

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Alunos frequentam a escola virtualmente em um depósito de lixo que oferece Wi-Fi gratuito, em Surabaya, na Indonésia, em 15 de setembro de 2021, durante a pandemia de covid-19 ( AFP / Juni Kriswanto)

O professor aposentado de Tecnologia Médica Rudolf Stollberger, do Instituto de Imagem Biomédica da Universidade Tecnológica de Graz, concordou em destacar o efeito térmico da radiação das redes Wi-Fi, em uma mensagem enviada à AFP em 23 de novembro de 2023.

“Os campos eletromagnéticos (EM) pulsados emitidos pelos roteadores WLAN não diferem em natureza de outras ondas de rádio. No caso de campos de alta frequência na faixa de frequência utilizada, somente o efeito térmico da radiação é cientificamente indiscutível e claramente explicável”, manifestou Stollberger.

“A única coisa que a radiação WLAN pode produzir é aquecer algo, como ocorre, por exemplo, com os micro-ondas. Porém, a energia emitida pelo Wi-Fi pode aumentar a temperatura corporal até, no máximo, um décimo de grau Celsius”, manifestou Wolfgang Bösch, professor do Instituto de Tecnologia de Alta Frequência da Universidade Tecnológica de Graz, à AFP, em 22 de novembro de 2023, em uma conversa telefônica.

Ele também acrescentou que o Wi-Fi e os aparelhos celulares existem há muito tempo. “Se tivesse algum efeito [prejudicial], já deveríamos ter visto o aumento exponencial”.

Experimento sem rigor científico

A observação feita pelos estudantes sobre o crescimento das plantas já foi realizada de forma semelhante na Dinamarca (1, 2), em 2013.

No entanto, Jens Jäkel, professor de Teoria de Sistemas e Mecatrônica na Universidade Tecnológica, Econômica e Cultural de Leipzig, escreveu à AFP em 14 de novembro de 2023: “O risco para a saúde depende das circunstâncias concretas. Se for cumprida a norma legal, o risco para a saúde de uma WLAN é insignificante”.

E ressaltou que “o experimento do vídeo não é conclusivo neste aspecto, e não atende aos padrões científicos”.

Stollberger, por sua vez, considera que “os vídeos são, em princípio, impressionantes, porém, é claro, não servem como prova científica”.

Ele indica que o teste carece de qualquer evidência de que, além das ondas eletromagnéticas do roteador, todos os demais parâmetros como a temperatura, a iluminação e a umidade sejam os mesmos em ambas as amostras.

Possivelmente “a temperatura no recipiente em que não cresceram as plantas já era significativamente maior do que na outra, porque o próprio roteador WLAN estava ligado, o que pode ter provocado a secagem do substrato”, intuiu o professor.

Florian Kohn, do BfS, disse que “até o momento não foram demonstrados efeitos nocivos no crescimento de plantas causados por campos elétricos, magnéticos ou eletromagnéticos artificiais com intensidades de campo inferiores aos valores-limite”.

Segundo o especialista, sempre existem estudos individuais que mostram influências no crescimento de plantas. “No entanto, eles são muito confusos e vão desde efeitos positivos (melhor crescimento) a efeitos negativos (crescimento inibido). Todavia, não foi encontrado um mecanismo de ação”.

A AFP já verificou, em espanhol, um conteúdo com desinformação sobre o suposto efeito da radiação das antenas de telefonia móvel 5G.

Referências

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