Lei Júlio Lancellotti não veta o uso de materiais de segurança em propriedades privadas
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- Publicado em 26 de dezembro de 2023 às 18:46
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- Por AFP Brasil
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“Vocês tão vendo essa lança aí com essa pontinha, a cerca elétrica (...) Isso aí tá proibido agora. A partir de ontem, dia 11 de dezembro de 2023, o ladrão de nove dedos, chefe da facção criminosa que tá no poder, proibiu agora. O nome do decreto é padre Lancellotti”, diz um homem em um vídeo que circula no Telegram, no TikTok, no Instagram, no Kwai e no Facebook.
A sequência também foi encaminhada ao WhatsApp do AFP Checamos, para onde os usuários podem enviar conteúdos, se duvidarem da sua veracidade.
O conteúdo começou a ser compartilhado após o presidente Lula regulamentar, no último dia 11 de dezembro, a Lei Padre Júlio Lancellotti, que proíbe o uso de arquitetura hostil em espaço público.
O decreto regulamentar foi assinado durante o evento de lançamento do “Plano Ruas Visíveis”, que prevê medidas de amparo à população em situação de rua.
No entanto, a lei não proíbe o uso de equipamentos de segurança em locais privados.
O que diz a lei
A Lei Padre Júlio Lancellotti recebeu esse nome em homenagem ao padre que repercutiu na imprensa em 2021 por quebrar pedras que foram colocadas em viadutos da cidade de São Paulo pela Prefeitura.
Esse tipo de instalação é conhecida como arquitetura hostil e visa afastar pessoas em situação de rua de espaços públicos.
A lei foi aprovada pela Câmara dos Deputados em 22 de novembro de 2022 e inclui no Estatuto da Cidade uma diretriz que garante a “promoção de conforto, abrigo, descanso, bem-estar e acessibilidade na fruição dos espaços livres de uso público, de seu mobiliário e de suas interfaces com os espaços de uso privado, vedado o emprego de materiais, estruturas, equipamentos e técnicas construtivas hostis que tenham como objetivo ou resultado o afastamento de pessoas em situação de rua, idosos, jovens e outros segmentos da população”.
A norma chegou a ser vetada pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL), mas o veto foi derrubado pelo Congresso e, em 21 de dezembro de 2022, ela foi promulgada pelo ex-mandatário.
Sendo assim, ela estava em vigor desde o ano passado e Lula apenas a regulamentou, ou seja, estabeleceu dispositivos para a sua execução.
O decreto regulamentar assinado por Lula define o que é considerado arquitetura hostil e não há menção ao uso de materiais de segurança em portões ou em propriedades privadas.
Consultada pela AFP, Raquel Scalcon, professora de Direito da FGV, explicou que a norma trata apenas de espaços públicos. “O que se pretende evitar é, por exemplo, o uso de certas estruturas (grades, algo pontiagudo etc.) que impeçam pessoas em situação de rua de se abrigar embaixo de um viaduto, em um banco de praça etc”.
Scalcon ressaltou também que o uso de cerca elétrica e materiais do tipo em portões de residências continua liberado e que é considerada legítima defesa prévia pelo direito penal: “Desde que isso seja feito com moderação e cautela, é uma medida permitida e autorizada”.
A instalação de cercas elétricas, inclusive, é regulamentada pela Lei nº 13.477, de 2017.
Procurada, a assessoria de imprensa do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania afirmou que a alegação de que a lei proíbe o uso desses materiais em residências é “totalmente inverídica” e que “toda e qualquer regulamentação diz respeito a espaços públicos, não se relacionando, portanto, a propriedades privadas”.
Este conteúdo também foi verificado por Aos Fatos e Estadão Verifica.