STJ não permitiu a invasão de domicílios, tribunal julgou em 2021 quando inicia o crime de roubo

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  • Publicado em 25 de maio de 2023 às 19:10
  • Atualizado em 25 de maio de 2023 às 19:19
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  • Por AFP Brasil
Um julgamento realizado pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2021 determinou que para caracterizar a tentativa de roubo é necessário que os acusados tenham iniciado a ação de "subtrair". No entanto, em postagens compartilhadas milhares de vezes nas redes sociais em maio de 2023, usuários alegam que a decisão “autorizou a invasão de domicílios” e a associam ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Na verdade, o julgamento apenas discutiu quando começa o crime de roubo, o que não significa que não haja responsabilização por violação de domicílio e dano ao patrimônio.

“Foi autorizada a invasão de domicilios”, diz uma usuária em vídeo que circula no Facebook, no Instagram, no Telegram, no TikTok e no Twitter. Segundo as publicações, isso teria sido permitido por “comunistas travestidos de juízes” do STJ.

A mensagem foi veiculada inicialmente em 15 de maio de 2023, em um blog, e diz que: “A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o rompimento de cadeado e a destruição de fechadura de portas da casa da vítima, com o intuito de, mediante uso de arma de fogo, efetuar subtração patrimonial da residência, configuram meros atos preparatórios que impedem a condenação por tentativa de roubo circunstanciado”.

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Captura de tela feira em 23 de maio de 2023 de uma publicação no TikTok ( .)

Por meio de uma busca com palavras-chave, o AFP Checamos localizou o julgamento descrito na mensagem viral. No entanto, a decisão não foi tomada no atual governo Lula, e sim em setembro de 2021. Além disso, ao contrário do que é alegado, o STJ não permitiu a invasão de residências.

O que foi julgado?

Procurada pelo AFP Checamos, a assessoria de imprensa do STJ afirmou que a alegação é uma “distorção sensacionalista” e confirmou que o vídeo se refere ao Agravo em Recurso Especial nº 974.254, de 21 de setembro de 2021.

O recurso foi aberto pelo Ministério Público do Tocantins (MPTO) e analisou o caso de dois homens, um deles armado, que haviam quebrado o cadeado e a fechadura do portão de uma casa, mas que fugiram ao avistar a polícia.

Segundo o relatório do processo, o MPTO buscava condená-los por tentativa de roubo, crime que havia sido deixado de fora da sentença que os acusados receberam do Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO).

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Captura do Recurso Especial nº 974.254 feita em 23 de maio de 2023 ( .)

O entendimento do STJ foi que para caracterizar tentativa de roubo era preciso que os acusados tivessem tentado "subtrair coisa móvel alheia”, conforme estabelece o artigo 157 do Código Penal ao qualificar o crime de roubo.

Dessa forma, o caso foi considerado ato preparatório, já que não havia sido iniciada a ação de “subtrair”.

O que é ato preparatório?

O professor de direito da Faculdade Getúlio Vargas (FGV), Dimitri Dimoulis, explica que o direito penal diferencia a atuação criminosa em três etapas: ato preparatório, tentativa e ato consumado.

“Ato preparatório estabelece condições para dar início ao plano do crime, mas ainda não realiza nenhuma das condutas previstas no código penal”, detalha. Desse modo, não há punição para os atos preparatórios porque não houve tentativa de crime. “Ele nem mesmo tentou ‘subtrair’ a coisa. Logo, não há crime nem punição com base no Código Penal. Por assim dizer, o crime ficou na cabeça dele”.

Já a tentativa, que era o tipo de condenação que o MPTO buscava, “indica o esforço de realizar o crime, ainda que isso não tenha ocorrido. No caso, eu entro na casa e pego a joia, mas toca o alarme e saio correndo sem levar nada”, exemplifica Dimoulis.

Para Raquel Scalcon, professora de direito da FGV, a decisão do STJ foi "extremamente técnica" e discutiu quando começa a execução de um crime: “O Tribunal, portanto, fez um exame específico para o crime de roubo e entendeu que ainda não havia sido iniciada a subtração. Além disso, os acusados não prosseguiram na conduta, ou seja, desistiram, razão pela qual não seria o caso de tentativa de roubo, mas de meros atos preparatórios nos quais houve desistência no prosseguimento”.

Outras condenações

Embora não haja punição para o ato preparatório no Código Penal, isso não significa que foi permitido quebrar fechaduras e invadir residências. Scalcon ressalta que os acusados podem, sim, responder por outros crimes, como violação de domicílio e dano ao patrimônio.

Dimoulis corrobora a avaliação de que os acusados ainda podem ser responsabilizados criminalmente. “Nesse caso, responderá por porte de arma, invasão de domicílio, danos na fechadura e eventualmente outros crimes. O que ele não fez foi o roubo e por isso não responde por roubo”

No recurso analisado no STJ, o ministro Ribeiro Dantas menciona em seu voto que um dos acusados foi absolvido pelo juiz de primeiro grau por falta de provas. Já o outro, que foi encontrado armado, foi condenado por porte ilegal de arma, confome o artigo 14, da Lei nº 10.826/03.

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Captura do Recurso Especial nº 974.254 feita em 23 de maio de 2023 ( .)

O AFP Checamos não encontrou outras informações sobre a sentença dos acusados.

Procurada, a assessoria do MPTO informou que o processo transitou em julgado e que “não houve recurso para STF”.

Referências

25 de maio de 2023 Elimina palavra extra no título

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