Publicações enganam ao associar ocupação em Higienópolis, em São Paulo, a Boulos

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  • Publicado em 24 de maio de 2023 às 00:28
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  • Por AFP Brasil
É enganosa uma publicação do deputado federal Ricardo Salles (PL) que associa notícia sobre a ocupação de um imóvel no bairro de Higienópolis, em São Paulo, ao parlamentar Guilherme Boulos (PSOL), e a uma suposta omissão do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A alegação reúne mais de 32 mil interações nas redes sociais desde 16 de maio de 2023. Mas a propriedade, que pertence à União, foi ocupada pela Frente de Luta por Moradia, e não pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) ao qual Boulos pertence.

“Sem-teto ocupam imóvel em Higienópolis, bairro nobre de São Paulo. Boulos é o MST na porta da sua casa”, diz imagem publicada por Salles no Facebook.

Conteúdo semelhante foi replicado por outros usuários no Twitter, no Instagram e no Kwai.

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Captura de tela feita em 22 de maio de 2023 de uma publicação no Instagram ( .)

As publicações compartilham o título de uma notícia do jornal Folha de S. Paulo de 15 de maio de 2023. Mas o texto não cita o Movimento dos Sem Terra (MST), Boulos ou o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) ao qual o parlamentar pertence.

Ocupação é da FLM, não do MST, e não está ligada a Boulos

Segundo a reportagem da Folha, o prédio localizado no bairro de Higienópolis, em São Paulo, foi ocupado por integrantes da Frente de Luta por Moradia (FLM) desde a noite de 12 de maio. No texto, não há qualquer menção a Boulos ou ao MST.

A FLM publicou uma captura de tela dessa matéria da Folha de S. Paulo em sua conta no Instagram, dizendo que a luta do movimento foi estampada no jornal.

Procurada pelo Projeto Comprova — iniciativa de verificação da qual o AFP Checamos faz parte —, Josélia Martins Pereira, uma das coordenadoras do movimento, relatou que a maior parte das famílias é composta por mulheres e crianças que foram despejadas por ordens judiciais. Também há pessoas idosas e com deficiência no local. No total, são 20 famílias e aproximadamente 50 pessoas.

Pereira argumenta que a ocupação é uma forma de expor a falta de políticas públicas de habitação e que ocupar não é um desejo das famílias, mas o último recurso de quem não tem onde morar. “A partir do momento em que um imóvel está abandonado, o imóvel não está cumprindo a função social da propriedade”, defende.

A coordenadora classificou a publicação feita pelo deputado federal Ricardo Salles como “mentirosa” e negou que a ocupação tenha relação com o MST ou com o MTST.

Ela enviou ao Comprova uma foto em que aparecem as bandeiras estendidas junto ao prédio ocupado. Uma delas é da FLM, a outra, do Movimento dos Sem Teto da Região Norte (MSTRN), filiado à FLM e, de acordo com Pereira, sem vínculo com o MST ou com o MTST, o que foi confirmado por esses dois grupos.

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Foto enviada pela FLM ao Projeto Comprova ( .)

Ao Comprova, a assessoria do MTST afirmou que “as pessoas costumam associar toda e qualquer ocupação como se fosse do MTST”, mas que “nesse caso em especial, pelas faixas expostas na foto, parece claro não ser” uma de suas ocupações.

Coordenador nacional do MTST, o deputado federal Guilherme Boulos foi associado indevidamente à ocupação. Ao Comprova, a assessoria do parlamentar também negou qualquer relação dele ou do MTST com o caso: “É outro movimento”.

Já a assessoria do MST informou que “reivindica a realização da Reforma Agrária, ou seja, no campo”.

Imóvel é da União e estava desocupado desde 2017

O Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos informou ao Comprova que o imóvel — localizado na rua Pernambuco, número 36, no Higienópolis — pertence à União desde 21 de dezembro de 2001 e foi utilizado pelo Escritório de Representação em São Paulo do Ministério das Relações Exteriores (Eresp) até 28 de novembro de 2017, quando ficou desocupado. Vazio, começou a receber, em maio deste ano, famílias ligadas à FLM.

Em nota ao Comprova, a Superintendência do Patrimônio da União em São Paulo (SPU/SP) afirmou que, ao tomar conhecimento da ocupação, solicitou à Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB) da Prefeitura de São Paulo apoio para o cadastramento social das famílias e que provesse "atendimento emergencial aos mais vulneráveis".

A SPU ressaltou, ainda, que reuniu-se com lideranças do movimento e solicitou a desocupação imediata do imóvel, mas que “tendo em vista a negativa da desocupação do imóvel, foi feito o encaminhamento de solicitação de reintegração de posse junto à Advocacia Geral da União (AGU)”.

“Não houve anuência ou apoio de qualquer órgão federal para tal ocupação”, complementou a SPU.

Esse texto faz parte do Projeto Comprova. Participaram jornalistas do O Popular e do Grupo Sinos. O material foi adaptado pelo AFP Checamos.

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