Projeto de lei de “zonas segurança” LGBTQ no Canadá é mal-interpretado nas redes
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- Publicado em 20 de abril de 2023 às 21:04
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- Por Gwen ROLEY, AFP Canadá, AFP Brasil
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“O novo projeto de lei no Canadá vai processar qualquer pessoa que erre o gênero da outra, critique ou proteste contra o movimento LGBT. Qualquer um considerado ‘transfóbico, homofóbico ou ofensivo’ vai enfrentar processo e multa de US$ 25k”, diz uma das publicações compartilhadas no Twitter, no Facebook e no Kwai.
Parte das publicações inclui uma imagem que corresponde a uma coletiva de imprensa dada em 4 de abril de 2023 por Kristyn Wong-Tam, membro do parlamento provincial de Ontário, Canadá, na qual ela está cercada por artistas drag.Outras postagens incluem um vídeo com um trecho da coletiva de Wong-Tam na qual são mencionadas medidas contra atos transfóbicos.
Um conteúdo semelhante também circulou em espanhol e inglês.
As publicações circulam em meio a um aumento de crimes de ódio motivados por orientação sexual no Canadá e nos Estados Unidos.
O projeto defendido por Kristyn Wong-Tam é o da Lei 94, que foi apresentado na Assembléia Legislativa de Ontário em abril de 2023.
Caso seja aprovada, a legislação criará um comitê de assessoria sobre questões LGBTQ. Também permitirá que o procurador-geral de Ontário designe uma zona temporária de 100 metros em torno de eventos ou estabelecimentos LGBTQ para proibir protestos nessa área somente quando a polícia confirmar a presença de uma ameaça.
"Se acharem que possa ocorrer algo que possa ser prejudicial à pessoa ou às pessoas sob ameaça, então o procurador-geral terá autoridade para criar uma zona de segurança comunitária temporária, ou o que se chama de bolha, em torno dessa estabelecimento por um período de tempo específico", explicou à AFP Kristyn Wong-Tam, uma das defensoras do projeto.
Mas o projeto de lei não pretende criar uma proibição geral de protestos.
"Nada nesta lei impede protestos ou manifestações pacíficas", diz o projeto.
Zonas de segurança x liberdade de expressão
Sobre a suposta proibição de manifestações, Wong-Tam esclareceu que o projeto de lei se inspira em outras leis canadenses de "zona de bolha", como as que impõem distância entre manifestantes e pacientes que buscam acesso a cuidados médicos, como aborto e vacinação.
Um caso de 1996 na Suprema Corte da Columbia Britânica determinou que uma dessas bolhas em torno de uma clínica de aborto infringia a liberdade de expressão. Mas o tribunal também considerou que isso se justificava pela Carta Canadense de Direitos e Liberdades, em consonância com o direito de acessar cuidados de saúde "sem perda de privacidade e dignidade".
Wong-Tam disse que o Projeto de Lei 94 visa proteger da mesma forma a comunidade LGBTQ. "Ninguém deve intimidar, usar ameaças ou mesmo infligir danos corporais e violência a outra pessoa", afirmou.
Já a multa de até 25 mil dólares, à qual as publicações virais se referem, só será aplicada a quem praticar "atos de intimidação" dentro da zona de segurança.
No entanto, alguns especialistas têm ressalvas ao projeto de lei.
“Temos sérios problemas de homofobia e transfobia no Canadá, mas o Projeto de Lei 94 de Ontário provavelmente fará mais mal do que bem”, opinou James Turk, diretor do Centro para a Livre Expressão da Universidade Metropolitana de Toronto, referindo-se ao texto em discussão no parlamento da província canadense.
Turk questionou como a legislação apoia o protesto pacífico ao mesmo tempo em que proíbe "a participação em um protesto ou manifestação com o objetivo de promover os objetivos da homofobia e transfobia".
O diretor ressalta que algumas das ações que o projeto de lei pretende proibir, inclusive, que se “profira ameaças ou faça comentários ofensivos, seja verbalmente ou por escrito, sobre questões de orientação social ou papéis de gênero", que já é considerado crime no Canadá.
O projeto de lei 94 recebeu uma primeira leitura, mas precisará concluir uma segunda e terceira leitura, bem como o consentimento real, antes de se tornar lei.