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Lula não deu indulto a Cesare Battisti, mas negou pedido de extradição do governo italiano
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- Publicado em 3 de maio de 2022 às 22:27
- 5 minutos de leitura
- Por AFP Brasil
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“O descondenado Lula deu indulto no último dia da sua presidência (31/12/2010) a Cesare Battisti, terrorista italiano que matou pelo menos 4 pessoas em um atentado. Agora a esquerda criminosa chora pelo perdão a um parlamentar condenado pelo crime de opinião”, diz uma das publicações compartilhadas no Facebook, no Instagram e no Twitter.
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As publicações que citam o caso Battisti começaram a circular após Bolsonaro ter dado um indulto a Silveira em 21 de abril de 2022.
O perdão foi concedido por meio de um decreto presidencial um dia depois de o STF ter condenado o deputado a oito anos e nove meses de prisão, multa, perda do mandato e suspensão dos seus direitos políticos por atos antidemocráticos e ataques contra instituições do Estado.
Esse indulto foi, então, incorretamente comparado nas redes sociais à recusa do ex-presidente Lula em extraditar Battisti no último dia do seu governo (2003- 2010).
Apesar de a comparação ter se tornado viral, o indulto e a recusa de extradição são medidas distintas.
O que é o indulto?
A possibilidade de o presidente da República conceder um indulto consta no artigo 84 da Constituição Federal de 1988, que versa sobre as atribuições privativas do chefe do Poder Executivo.
Na prática, o indulto presidencial extingue a pena do indivíduo condenado pelo Judiciário brasileiro, como aponta o artigo 107 do Código Penal. Ou seja, o réu fica livre de cumprir sua condenação.
Não podem, entretanto, ser indultados os condenados pelos crimes de tortura, terrorismo, tráfico de entorpecentes e drogas afins, além dos condenados por crime hediondo, conforme previsto na Lei 8.072/90.
Lula e o caso Battisti
Diferentemente do que alegam as publicações virais, Lula não deu um indulto a Battisti, na época condenado à prisão pela justiça italiana por seu envolvimento em quatro homicídios.
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Ao Checamos, o professor de Direito Internacional Guilherme Bystronski explicou que isso nem seria possível, já que o indulto presidencial só pode ser concedido para os condenados pela justiça brasileira.
“Juridicamente falando não faz sentido, porque o indulto é relacionado a uma pena que a pessoa recebeu no Brasil”, disse Bystronski.
“O Lula não poderia indultar uma pena que foi dada pela justiça italiana. Um indulto pode obviamente ter aplicação em situações que se referem à nossa soberania, por meio da jurisdição dos nossos tribunais. Nunca poderia afetar nesse contexto a atitude de outros países em relação à aplicação da sua própria jurisdição”, acrescentou o professor.
Em 1993, Battisti foi condenado na Itália, com pena de prisão perpétua, pelo assassinato de duas pessoas e por ter sido cúmplice de outros dois homicídios. Battisti sempre alegou inocência e ter sofrido perseguição política por ter atuado no grupo de extrema-esquerda Proletários Armados pelo Comunismo.
Após ter passado uma temporada asilado na França, Battisti ingressou no Brasil em 2002 e foi preso com um passaporte falso em março de 2007. Logo depois da sua prisão, o então ministro da Justiça Tarso Genro o reconheceu como refugiado político, o que impedia sua extradição, de acordo com o previsto no artigo 33 da Lei 9.474/97.
A decisão de Genro foi contestada pelo Comitê Nacional de Refugiados (Conare) e pelo governo italiano, levando o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF). A Suprema Corte confirmou a ilegalidade do status de refugiado do italiano em 18 de novembro de 2009.
Apesar de autorizar a possibilidade de extradição de Battisti, não mais protegido como refugiado, o STF declarou que a decisão final de entregá-lo ao governo italiano caberia exclusivamente ao presidente da República.
No último dia de seu governo, em 31 de dezembro de 2010, Lula negou o pedido de extradição de Battisti, alegando que o italiano poderia sofrer perseguição política em seu país, o que já havia sido anteriormente levantado pela Advocacia-Geral da União (AGU). O ato de Lula foi amplamente noticiado pela mídia nacional e pela AFP.
“O pedido de extradição que a Itália fez ao Brasil tem por base um tratado bilateral de extradição que é de 1989 e que entrou em vigor em 1993. E esse tratado prevê, no seu artigo 3°, as situações nas quais a extradição não deve acontecer. Aqui no Brasil, a Advocacia-Geral da União deu um parecer a pedido do presidente da República afirmando que o artigo 3º impediria a extradição por parte do Brasil porque havia a possibilidade de que o Battisti sofresse perseguição política pelos atos que cometeu. Por conta do risco de perseguição política haveria espaço para que o Lula pudesse não efetuar o pedido de extradição”, comentou Bystronski.
A recusa de Lula ao pedido de extradição feito pelo governo italiano, diferentemente do indulto concedido por Bolsonaro, não contrariou qualquer decisão do Judiciário brasileiro.
“A Itália, inclusive, acionou o Supremo, que nesse caso lavou as mãos, afirmando que a decisão era do presidente da República, que se baseou em um tratado. No Brasil a discussão foi encerrada, porque a posição do presidente da República é final”, acrescentou o especialista.
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O ato tampouco resultou na extinção da pena do italiano, ao contrário do que ocorreu no caso de Silveira, que teve sua condenação extinta.
Com a chegada de Michel Temer à presidência da República, o governo da Itália fez um novo pedido de extradição, dessa vez aceito pelo chefe do Executivo.
Battisti então fugiu para a Bolívia, onde foi detido e entregue, em janeiro de 2019, para o governo italiano. Atualmente cumpre sua pena em seu país natal.
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