Atividade cerebral destacada na imagem é desencadeada ao ver rostos familiares, não após o beijo da mãe em seu bebê

Milhares de pessoas compartilharam desde setembro de 2019 nas redes sociais uma imagem de uma ressonância magnética de uma mãe com seu filho, assegurando que nesta pode-se observar a reação química produzida nos cérebros quando a mulher dá um beijo em seu pequeno. Entretanto, o que as manchas coloridas mostram é a atividade cerebral ao ver imagens de rostos.

“Esta é a primeira imagem de ressonância magnética do mundo que mostra o laço de uma mãe e seu filho, graças à NH Neuro Training. A imagem é da neurocientista Rebecca Saxe a beijar o seu filho de dois meses. O beijo dela causou uma reação química no cérebro do seu filho o que gera uma explosão de ocitocina [sic], dizem as publicações no Facebook (1, 2) que, juntas, somam mais de 18.800 compartilhamentos desde setembro de 2019. No Twitter e Instagram a fotografia com esta atribuição também foi amplamente compartilhada.

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Captura de tela feita em 16 de dezembro de 2019 mostra publicação viralizada no Facebook

Em espanhol a mensagem circulou amplamente.

Uma busca reversa pela imagem no Google levou, entre outros, a um artigo publicado na revista The Smithsonian em dezembro de 2015, no qual a neurocientista Rebecca Saxe, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), explica que a imagem corresponde a uma ressonância magnética sua com seu filho, feita em abril de 2015.

A ressonância que ilustra o artigo é a mesma que foi compartilhada nas redes sociais, mas não inclui as colorações em ambos os cérebros.

No artigo, a neurocientista explica que em seu laboratório do MIT recorrem às ressonâncias magnéticas para “observar o fluxo sanguíneo no cérebro das crianças” e ver “a sua atividade cerebral”. “Essa ressonância magnética em particular, no entanto, não foi feita com o objetivo de dar um diagnóstico, nem mesmo pela ciência, na verdade. Ninguém, até onde eu sei, havia realizado alguma vez uma ressonância magnética de uma mãe e seu filho. Fizemos porque queríamos ver”, conta Saxe.

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Captura de tela feita em 16 de dezembro de 2019 do artigo publicado na revista Smithsonian

A pesquisadora do MIT deu detalhes sobre a origem da imagem em uma conversa durante o evento TEDx Cambridge, em 9 de junho de 2016, na qual explicou que tentou fazer ressonâncias de bebês para estudar a estrutura e o desenvolvimento de seus cérebros. Para isso, eles tinham que estar acordados e ver filmes de coisas que lhes fossem familiares, como paisagens e rostos de pessoas conhecidas.

Saxe começou a fazer testes com seu primeiro filho, Arthur, nascido em setembro de 2013, quando tinha apenas um mês, mas não conseguiu os primeiros resultados até janeiro de 2014. Para conseguir que o pequeno ficasse tranquilo dentro da máquina de ressonância, ela entrou com ele. E foi assim que conseguiu fazer a imagem compartilhada nas redes, feita, na verdade, com seu segundo filho, Percy, em 2015.

O estudo científico para o qual a ressonância magnética foi feita foi publicado na revista Nature em 10 de janeiro de 2017.

Em 11 de setembro de 2019, Rebecca Saxe publicou uma série de tuítes explicando que as áreas de cor vermelha e laranja das imagens não correspondem à reação por um beijo, como asseguram algumas publicações nas redes sociais, mas que mostram as zonas ativadas no cérebro ao ver imagens dos rostos de pessoas.

Saxe explicou que, após a conclusão do estudo publicado em janeiro de 2017, surgiu a ideia de sobrepor as informações obtidas nos testes de ressonância magnética de seu segundo filho.

“Em resposta a todas as polêmicas e o tuíte deste fim de semana: as ativações são resultados reais de imagens por ressonância magnética funcional, de respostas hemodinâmicas ao olhar para gravações com rostos, em comparação com gravações de paisagens. Realmente são desse bebê. Não tem nada a ver com ocitocina, hormônios, beijos, ou amamentação”, tuitou.

Em resumo, a fotografia compartilhada realmente corresponde à ressonância magnética de uma mãe com seu bebê, mas não mostra uma reação química de ambos os cérebros a um beijo, mas à visualização de rostos de pessoas conhecidas.

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