Plano de Biden para conter as mudanças climáticas não inclui consumo de carne nos Estados Unidos

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  • Publicado em 30 de abril de 2021 às 19:16
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  • Tradução e adaptação AFP Brasil
Publicações com mais de uma centena de interações nas redes sociais afirmam que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, expressou na Cúpula Mundial do Clima realizada nos últimos dias 22 e 23 de abril que seu plano de combate às mudanças climáticas exigiria uma redução de 90% no consumo de carnes vermelhas em seu país. No entanto, o número é citado em um estudo cujos autores asseguram que não é necessária uma mudança na dieta alimentar da população para atingir os objetivos climáticos propostos. Além disso, o plano de Biden não menciona os hábitos alimentares dos americanos.

“O ambicioso plano de Biden pode significar que os americanos serão forçados a cortar 90% da carne vermelha de suas dietas, o que equivale a cerca de um hambúrguer de tamanho médio por mês”, diz uma das publicações compartilhadas no Facebook e no Twitter (1, 2). 

O conteúdo também circulou em sites (1, 2). 

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Captura de tela feita em 30 de abril de 2021 de uma publicação no Facebook

Uma afirmação semelhante foi feita em 23 de abril no programa "America Reports” da emissora Fox News e, embora não esteja mais disponível na página do canal, foi arquivado. Um dos apresentadores do programa, John Roberts afirmou na ocasião: "Diga adeus aos seus hambúrgueres se quiser aderir ao plano climático de Biden, essa é a conclusão de um estudo".

Minutos depois, Roberts entrevista o colunista político e ex-conselheiro de Donald Trump, Larry Kudlow, que já havia comentado o plano de Biden em seu próprio programa e, em termos semelhantes, com o apresentador. “Um estudo da Universidade de Michigan estabelece que, para atingir os objetivos do plano verde de Biden, os Estados Unidos devem parar de comer carne, peixe, ovos e gordura animal”, disse.

Roberts, entretanto, retificou suas declarações em seu programa em 26 de abril e reconheceu o erro: “Na sexta-feira, nós falamos sobre um estudo da Universidade de Michigan (..) de 2020 sobre como a redução no consumo de carne teria um impacto drástico nas emissões de gases. Os dados estavam corretos, mas o gráfico e sua legenda mencionavam incorretamente que isso fazia parte do plano de Biden de combate às mudanças climáticas"

Na verdade, o plano de Biden não faz referência à promoção de uma dieta que reduza o consumo de carne.

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Joe Biden discursa em Washington na cúpula virtual internacional sobre clima em 23 de abril de 2021
(Jim Watson / AFP)

As afirmações mencionadas no programa da Fox são de um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Michigan e da Universidade Tulane, sete meses antes de Biden ser eleito. Intitulado "Impactos dos Futuros Planos Alimentares Americanos sobre as Emissões de Gases de Efeito Estufa", o texto analisa os impactos que algumas mudanças nas dietas americanas teriam nas emissões de gases de efeito estufa.

Contactados pela AFP, Gregory Keoleian e Martin Heller, dois dos autores da pesquisa, destacaram que "não há ligação entre o estudo e o plano climático de Biden". "Parece ser uma associação errada feita pelo Daily Mail e que foi amplamente divulgada por outras pessoas", esclareceram.

O jornal britânico Daily Mail parece ter sido o primeiro veículo a associar o estudo ao plano de Biden em uma matéria publicada em 22 de abril, dia em que o presidente dos Estados Unidos anunciou suas metas para a emissão de gases. Essa notícia, inclusive, foi citada pelas publicações viralizadas. 

Mas Keoleian e Heller ressaltaram que o estudo "apenas identifica certas oportunidades na redução de emissões que resultariam de possíveis mudanças na dieta. De forma alguma isso sugere que essas mudanças na dieta seriam necessárias para atingir as metas climáticas"

Eles ainda esclareceram em sua declaração que a pesquisa foi feita pelo Center for Sustainable Systems da Universidade do Michigan, e não pelo Departamento de Agricultura, como foi sugerido no gráfico da Fox News.

Durante um encontro virtual com jornalistas em 26 de abril, o secretário de Agricultura dos Estados Unidos, Tom Vilsack, abordou essa questão: “Não há nenhum esforço do presidente Biden ou do Departamento de Agricultura para limitar o consumo de carne”.

O porta-voz do Departamento de Agricultura dos EUA também se referiu por e-mail às alegadas denúncias viralizadas e garantiu: “É mentira. Não existe esse esforço ou essa política por parte desta administração. Não faz parte do plano climático ou das metas de emissões. Não é real”.

Cúpula do Clima
 

Essas alegadas declarações foram divulgadas depois que Biden participou de uma cúpula internacional sobre o clima, com a presença de mais de 40 líderes mundiais, incluindo o presidente chinês, Xi Jinping, seu homólogo russo, Vladimir Putin e o presidente Jair Bolsonaro.

Em sua apresentação, Biden garantiu que os Estados Unidos “buscarão reduzir as emissões de dióxido de carbono em 50-52% em 2030 em relação aos níveis de 2005” e atingir a “emissão zero” em 2050 .

Os Estados Unidos também anunciaram que implementarão um plano de financiamento internacional para atingir os objetivos climáticos, que incentivará o uso de veículos elétricos e ônibus de baixa poluição, ao mesmo tempo em que trabalhará para reduzir as emissões geradas pelo transporte aéreo internacional.

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