A palavra “fuck” não é a sigla de “Fornication Under Consent of King”

Publicações compartilhadas milhares de vezes nas redes sociais desde 2015 afirmam que a origem da palavra “fuck”, um termo coloquial amplamente usado em inglês para fazer referência a relações sexuais, seria a sigla da expressão “Fornication Under Consent of King” (“fornicação sob o consentimento do rei”, em português). Mas isso é falso. O uso desta palavra em inglês com conotação sexual remonta ao início do século XIV e não tem vínculo com a realeza inglesa.

“ORIGEM DA PAKAVRE ‘FUCK’. Antigamente no palácio real na Inglaterra, não se podia fazer sexo sem o consentimento do rei, a não ser que tratasse de um membro da família Real. Quando alguém queria manter uma relação sexual, tinham que pedir para o monarca, que lhes entregava uma placa que devia ser colocada na frente da porta de quarto em que acontecessem as relações sexuais. A placa dizia: “Fornication Under Consent of the King”. Essa é a origem da palavra inglesa ‘Fuck’! [sic], afirma o texto, que circulou no Facebook (1, 2), Instagram e Twitter (1, 2, 3), com mais de 16 mil retuítes e 32 mil curtidas.

A mesma alegação viralizou também em espanhol e francês, registrando milhares de compartilhamentos.

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Captura de tela feita em 16 de julho de 2020 de uma publicação no Twitter

Mas esta explicação é uma antiga lenda urbana que circula há décadas, de acordo com Jesse Sheidlower, lexicógrafo e autor de “The F Word”, um livro que traça a origem da palavra “fuck” e a sua evolução ao longo dos séculos.

Contactado pela AFP em 10 de julho, Sheidlower explicou que o primeiro registro conhecido do mito segundo o qual “fuck” seria uma sigla surgiu em 15 de fevereiro de 1967 no jornal nova-iorquino The East Village Other. Nesta publicação, a sigla foi apresentada como “For Unlawful Carnal Knowledge” (“Para conhecimento carnal ilegal”, em português).

A versão apresentada nas publicações viralizadas, “Fornicação sob consentimento do rei”, apareceu pela primeira vez em uma carta dirigida à revista Playboy em 1970, segundo o linguista. 

Na realidade, a palavra vem das línguas germânicas. “Existem muitas teorias sobre a sua origem (francês, latim, nórdico antigo, e inclusive egípcio, que é o menos provável). O mais provável é que ‘fuck’ venha de ‘fokken’, uma palavra em baixo alemão que significa ‘bater’”, explicou Kate Wiles, medievalista e chefe de redação da revista History Today, em uma entrevista concedida à AFP em 10 de julho.

Os registros mais antigos

“Fuck”, usada com conotação sexual, teria aparecido na língua inglesa entre o início do século XIV, como indica o dicionário norte-americano Merriam-Webster, e o final do século XV, quando é encontrado “o primeiro exemplo do qual se tem registro”, de acordo com Jesse Sheidlower.

Em 2015, o historiador Paul Booth, da Universidade de Keele, na Inglaterra, descobriu em um registro legal de 1310 o nome de Roger Fuckebythenavele, envolvido em uma questão criminal não-sexual. O seu nome não está acompanhado de nenhuma explicação.

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Captura de um artigo do historiador Paul Booth publicado em 2015 pela revista “Transactions of the Historic Society of Lancashire and Cheshire".

“Naquela época era comum que as pessoas tivessem nomes sugestivos, ou humorísticos”, comentou Sheidlower. “O mais provável é que o Roger em questão fosse tão ignorante que acreditasse que as pessoas se reproduziam pelo umbigo [“navel”, em inglês]... Mas não temos certeza”.

Em 1475 a palavra foi escrita em um poema satírico intitulado “Flen Flyys”, que faz piada com os monges de uma abadia em uma mistura de latim e inglês.

A palavra, contudo, está escrita em código, substituindo algumas letras por outras para dificultar a sua leitura. Na imagem vista abaixo, a primeira frase está em latim e a segunda, com a palavra “fuck” em negrito, está codificada.

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Captura de tela feita em 11 de julho de 2020 de um artigo da medievalista Kate Wiles publicado em fevereiro de 2014 pelo Huffington Post

O verso diz: “Os monges não estão no céu porque têm relações sexuais com as mulheres de Ely”. Este último termo poderia ser um jogo de palavras com “hell”, que significa “inferno” em português, considera Kate Wiles.

O fato de metade do texto estar em código “pode significar que tinha uma intenção subversiva”, analisa a medievalista Kate Wiles. Outras palavras sexuais também foram codificadas no texto, acrescenta Jesse Sheidlower.

A explicação da origem de “fuck” como sigla não é apenas falsa, mas também anacrônica. “Os acrônimos em inglês são excepcionalmente raros antes da década de 1940”, indica Sheidlower. Geralmente, a origem das palavras em inglês que vêm de acrônimos (como 'scuba' ou 'radar') é estabelecida assim que aparecem “e o acrônimo não é usado décadas, ou séculos, mais tarde como uma explicação a posteriori”, acrescenta o lexicógrafo.

Em resumo, é difícil estabelecer de maneira definitiva a origem exata da palavra “fuck”. Existem registros da palavra sendo usada com conotação sexual entre os séculos XIV e XV. Há também registros ainda mais antigos da palavra sendo usada para designar lugares (Ric Wyndfuk, perto da floresta de Nottingham em 1287), ou pessoas (William Smalfuk, em 1290), mas nestes casos provavelmente fazia referência ao ato de “bater”, observa Kate Wiles.

“Fuck” não é a única palavra que sofreu deformações etimológicas. O linguista Jesse Sheidlower cita outros exemplos notáveis, como “tips” (gorjetas), que supostamente significa “To ensure prompt service” (“Para garantir um atendimento rápido), ou “cop” (polícia), que seria a siglas de “Constable On Patrol” (“Agente em patrulhamento”). Mas em ambos os casos, de acordo com o lexicógrafo, estas explicações são produto da ficção.

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