O Nobel da Literatura Mario Vargas Llosa afirmou que não há extrema pobreza no Chile, mas isso não é verdade
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- Publicado em 11 de dezembro de 2019 às 20:51
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- Por Valentina DE MARVAL, AFP Chile, AFP Brasil
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O autor peruano afirmou no último dia 4 de dezembro, durante a apresentação de seu livro mais recente “Tiempos recios” (Tempos difíceis, em tradução livre), na Feira do Livro de Miami, que não há extrema pobreza no Chile (1min30seg).
“Vimos no Chile um modelo para sair do subdesenvolvimento. Não podia ser Cuba, nem Venezuela, nem Nicarágua. Era o Chile”, acrescentou Vargas Llosa.
Os protestos no Chile começaram no último dia 18 de outubro devido a um aumento nos preços do transporte público. Rapidamente, as manifestações se estenderam para outras demandas sociais, desencadeando uma crise política e econômica para o governo de Sebastián Piñera.
A equipe de checagem da AFP revisou comparações regionais publicadas pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e os números oficiais chilenos da Pesquisa Nacional de Caracterização Socioeconômica (Casen), publicada desde 1990. Ambos levantamentos indicam que há, sim, extrema pobreza no Chile.
O que é a pobreza extrema?
Laís Abramo, socióloga e diretora da Divisão de Desenvolvimento Social da Cepal, explicou à AFP que uma pessoa está em situação de extrema pobreza quando sua renda “é menor do que o valor da cesta básica alimentar”. Enquanto isso, a pobreza total, ou não extrema, é definida pela organização quando a renda é inferior ao valor da cesta básica total, ou seja, aquela que considera alimentos, vestimenta, transporte, etc.
O último levantamento da Cepal, “Panorama Social da América Latina e do Caribe 2019”, mostra que a taxa de extrema pobreza no Chile em 2017 - o último dado disponível, uma vez que o Chile não o atualiza anualmente - era de 1,4% do total de habitantes. Esse é o número mais baixo depois do Uruguai, que registrou taxa de 0,1% no mesmo ano.
Taxa de extrema pobreza segundo estimativas da Cepal, entre 2015 e 2018, em porcentagem da população total
A Cepal recebe os dados oficiais de cada país, mas aplica uma metodologia uniforme a todos para realizar as comparações. “Nem sempre é igual à metodologia de cada país”, afirmou Abramo, explicando que os quadros vazios correspondem a anos em que não receberam dados atualizados. No caso do Chile, o levantamento se baseia na pesquisa Casen, publicada a cada dois anos.
Os dados do Chile
A pesquisa Casen é elaborada pelo Ministério de Desenvolvimento Social desde 1990. Os últimos resultados, publicados em 2018 e referentes ao ano de 2017, indicam que 2,3% da população chilena vive em condições de extrema pobreza (o equivalente a 412.839 pessoas). Segundo o ministério, essas pessoas têm uma renda menor a dois terços da linha da pobreza, que em 2017 era de 158.145 pesos chilenos por mês (218,55 dólares) para uma residência composta por uma pessoa.
Essa porcentagem difere da disponibilizada pela Cepal porque os levantamentos utilizam metodologias distintas sobre a mesma base de dados da pesquisa Casen, explicou Laís Abramo à AFP.
Porcentagem de pobreza e extrema pobreza no Chile, entre 2013 e 2017, segundo dados da Casen em porcentagem da população
O economista da Fundação Sol - instituição chilena sem fins lucrativos, que realiza estudos e consultorias sobre trabalho, educação e desenvolvimento - Marco Kremerman também assegura que a frase de Vargas Llosa é “claramente falsa, basta ver a pesquisa Casen, por exemplo”.
Além disso, Kremerman afirma que os números deste levantamento e os compilados pela Cepal são incompletos e que poderiam ser até maiores. “A diminuição da extrema pobreza não se deve a um aumento da renda autônoma, mas a subsídios do Estado”, explicou à equipe de checagem da AFP.
David Bravo, economista e diretor do Centro de Pesquisas e Estudos Longitudinais da Universidade Católica do Chile, também afirma que os dados oficiais demonstram que, sim, há extrema pobreza no país, e que a taxa diminuiu porque o “Chile teve uma alta taxa de crescimento e, ao mesmo tempo, adotou uma política de expansão do gasto social e políticas que concentraram seus gastos nas pessoas mais pobres”, disse à AFP.
De acordo com os últimos números publicados pelo Instituto Nacional de Estatísticas do Chile, o desemprego no país era de 7% entre agosto e outubro de 2019. No entanto, este levantamento ainda não leva em consideração os efeitos dos protestos iniciados em outubro.
Por outro lado, a crise afetou o último Índice Mensal de Atividade Econômica (Imacec, que projeta o Produto Interno Bruto) publicado pelo Banco Central do Chile, que despencou 3,4% em outubro.
Em resumo, apesar de Vargas Llosa ter se declarado surpreso com os protestos no Chile, onde afirmou não haver extrema pobreza, dados da Cepal e do Estado chileno revelam o contrário. Embora o Chile seja um dos países com a taxa de extrema pobreza mais baixa da região, esse percentual ainda é de 1,4%, segundo a comissão regional, ou de 2,3%, segundo a pesquisa Casen, realizada pelo Ministério do Desenvolvimento.