As notas foram jogadas nas ruas da Venezuela em 2019 porque eram de um sistema monetário antigo

Duas fotos de ruas repletas de notas foram compartilhadas dezenas de milhares de vezes desde abril de 2019 em publicações que asseguram que as cenas foram registradas na Venezuela e que o dinheiro foi jogado fora “porque não serve para comprar nada”. As imagens realmente foram feitas no país sul-americano, mas falta contexto nas postagens, que continuam circulando em 2021: os registros ocorreram após um assalto a um banco em 2019 e as cédulas foram descartadas porque eram de uma série que estava fora de circulação.

“Dinheiro jogado no chão, pelas sarjetas. Sabem onde fica essa rua? Em Caracas, na Venezuela! O dinheiro não vale mais nada, a inflação bate os quase 1 milhão % ao ano. O país virou um imenso gueto, onde se faz troca de coisas pra se conseguir o que se quer! Bem vindos ao socialismo”, dizem postagens que acompanham uma das imagens no Facebook (1, 2, 3) desde 2019.

Alegação semelhante circula com uma segunda foto de notas espalhadas pelo chão. “Dinheiro jogado nas ruas da Venezuela, porque não serve para comprar nada, também não tem nada para comprar. NOSSO DESTINO…”, dizem as postagens no Facebook (1, 2, 3), Twitter (1, 2, 3) e Instagram.

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Capturas de tela feita em 5 de abril de 2021 de publicações no Facebook

Conteúdo semelhante também tem sido amplamente compartilhado em espanhol.

O roubo de um banco na Venezuela

Uma busca reversa pelas fotos nos motores Google e Yandex leva, entre os resultados, a alguns artigos (1, 2) de março de 2019 sobre um suposto roubo do Banco Bicentenario, na cidade de Mérida, na Venezuela.

Entre os artigos, há uma verificação feita em junho de 2019 pelo site de checagem português Polígrafo sobre a origem destas imagens.

Uma segunda busca no Google pelos termos “Saqueo [saque, em espanhol] + banco + Mérida + Venezuela” demonstrou que veículos de comunicação (1, 2, 3) reportaram um “roubo” ou uma “tentativa de roubo” ao Banco Bicentenario em 11 de março de 2019, após uma falha elétrica que havia deixado a cidade sem energia por mais de quatro dias.

De fato, em 7 de março de 2019, a Venezuela sofreu um apagão maciço devido a uma falha na represa El Guri que afetou os 23 estados do país por vários dias.

O roubo foi relatado por alguns usuários no Twitter, que indicaram (1, 2) que só havia dinheiro do antigo sistema monetário venezuelano no Banco Bicentenario e que, por isso, as notas “terminaram sendo espalhadas” em ruas próximas.

Isso também foi reportado por veículos venezuelanos (1, 2).

O atual sistema monetário venezuelano foi implementado por decreto em 20 de agosto de 2018, ampliado em 13 de junho de 2019 e expandido novamente em 8 de março de 2021, com a adição de três novas notas que não somam o equivalente a 1 dólar de acordo com a taxa de câmbio oficial. 

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Um homem segura a nova nota de 500 mil bolívares após sair de um banco em Caracas em 15 de março de 2021 (Federico Parra / AFP)

Um artigo da AFP de 5 de março de 2019 mostra a dura queda que o bolívar sofria no momento do saque, quando já havia perdido 98% de seu valor. No início daquele mês, 1 dólar correspondia a 3.000 bolívares. Devido à inflação vertiginosa, não era raro ver notas de dinheiro espalhadas nas ruas. Várias fotos da agência Nur Photo, parceira da AFP, feitas em 3 de março deste ano, retratam esse cenário.

Um vídeo e algumas fotos de pensionistas que formavam grandes filas em frente ao banco Bicentenario de Mérida para receber seus pagamentos, tuitados pelo portal venezuelano El Pitazo quatro meses após o saque, mostram que as imagens das publicações viralizadas realmente foram tiradas perto desta unidade bancária. 

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Comparação, feita em 5 de abril de 2021, entre a captura de tela de um vídeo e uma foto do portal El Pitazo feitos em Mérida (acima) e a imagem viralizada (abaixo)

A Venezuela fechou 2020 com uma inflação acumulada de 2.959,8%, a mais alta do mundo. Ao mesmo tempo, o valor da moeda local - o bolívar - despencou.

Há alguma informação que você gostaria que o serviço de checagem da AFP no Brasil verificasse?

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