Não há registro oficial de que o papa tenha pronunciado ou escrito o texto intitulado “ser feliz”
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- Publicado em 13 de janeiro de 2021 às 17:13
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- Por Rafael MARTI, AFP Espanha, AFP Brasil
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“Você pode ter defeitos, ser ansioso, e viver alguma vez irritado, mas não esqueça que a sua vida é a maior empresa do mundo. Só você pode impedir que vá em declínio. Muitos lhe apreciam, lhe admiram e o amam. Gostaria que lembrasse que ser feliz não é ter um céu sem tempestade, uma estrada sem acidentes, trabalho sem cansaço, relações sem decepções”, começa a mensagem atribuída ao papa Francisco, que circula no Facebook (1, 2) desde outubro de 2015 (1) e segue viralizando até os dias atuais (1), inclusive como narração de vídeos no YouTube.
Em geral, as postagens contendo os textos, com diferentes datas, afirmam se tratar da homilia do papa “de ontem”.
Algumas celebridades também divulgaram a suposta mensagem do papa Francisco, inclusive na televisão, angariando milhares de curtidas e compartilhamentos no Instagram (1) e no Facebook.
Além das redes sociais (1, 2, 3) em português, o texto, igualmente atribuído ao papa Francisco, viralizou em postagens em espanhol (1) e em inglês (1).
A origem desse texto já foi atribuída ao escritor português Fernando Pessoa e em 2006 houve um debate sobre se o poeta português teria escrito algo semelhante.
Uma busca por meio da ferramenta CrowdTangle da frase “pode ter defeitos” e removendo as palavras “papa” e “Francisco” mostra registros da mesma mensagem ou parte dela em publicações no Facebook desde 2011, mas sem atribuir a Francisco, que foi escolhido papa em 13 de março de 2013.
Outras postagens (1, 2), no entanto, indicam que o autor do texto seria o escritor brasileiro Augusto Cury.
Uma pesquisa pelos termos “você pode ter defeitos + Augusto Cury” levou ao site Pensador no qual, ao final da página, há uma nota: “Trecho adaptado do livro ‘Dez leis para ser feliz’, de Augusto Cury”.
A equipe de checagem da AFP no Brasil localizou o livro “Dez leis para ser feliz”, que, segundo o site de Cury, foi publicado em 2003. Em um PDF disponibilizado on-line foi feita uma busca pela frase “você pode ter defeitos”, o que levou a um conteúdo semelhante ao que viralizou nas redes.
Uma análise da parte de “considerações finais” do livro de Cury e do texto viralizado atribuído ao papa permite constatar que eles são similares, apesar de algumas palavras terem sido trocadas por sinônimos e frases terem sido suprimidas.
O Checamos entrou em contato com Augusto Cury, mas não obteve retorno até a publicação deste artigo.
Palavras do papa?
Uma consulta à página oficial do Vaticano, onde são arquivadas todas as homilias e intervenções públicas do pontífice, não levou a nenhum texto semelhante ao viralizado nas redes sociais, bem como vídeos e artigos.
Em 5 de novembro de 2017, por exemplo, a data mencionada por uma publicação do dia 6 que falava da homilia “de ontem”, sequer houve uma homilia do papa Francisco.
O mesmo ocorre com uma postagem de 4 de janeiro de 2021 sobre o “sermão de ontem”: em 3 de janeiro não foi feita nenhuma homilia ou sermão pelo pontífice.
Uma busca por frases do texto tampouco leva a discursos similares proferidos pelo chefe da Igreja Católica.
Em uma publicação de dezembro de 2015, em espanhol, do portal oficial de notícias do Vaticano no Facebook, em razão de outro texto falsamente atribuído ao pontífice, foi assinalado: “Se as palavras atribuídas ao Papa não aparecem nos meios oficiais do Vaticano, especialmente no site oficial da Santa Sé, é muito provável que sejam falsas”.
No primeiro comentário dessa postagem são especificados os canais oficiais do Vaticano como a conta no Twitter @pontifex_es, ou @pontifex_pt em português, a Sala de Imprensa da Santa Sé, o portal de notícias Vatican News, o site oficial do Vaticano e o periódico L’Osservatore Romano.
Um conteúdo semelhante foi verificado pela equipe do Boatos.org.
Em resumo, não há registro de que o papa Francisco tenha pronunciado essas palavras recentemente sobre a felicidade e a vida. Além de circular desde antes do pontífice ter sido eleito, o trecho de um dos livros do escritor Augusto Cury é muito similar à mensagem que circula na internet pelo menos desde 2011.