Na verdade, este livro não estava à venda nem disponível na Bienal do Rio
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- Publicado em 10 de setembro de 2019 às 22:14
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- Por AFP Brasil
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“DA UMA OLHADA NOS LIVROS INFANTIS DA BIENAL. DEPOIS RECLAMAM QUE O PRESIDENTE FALA DEMAIS… [sic]”, “EM PLENO DOMINGO, DIAS TOFOLI ATENDE PGR RAQUEL DODGE ,E LIBERA LIVROS DE CONTEÚDO SEXUAL, PARA CRIANÇAS EM BIENAL NO RJ [sic]” e “Esse é um dos livros vendidos na Bienal do RJ, que o prefeito mandou retirar. Pornografia infantil, já que usam desenhos inocentes, a intenção é sim expor crianças a conteudos eróticos, com que finalidade? Não é sobre censurar livros é sobre proteger crianças da desconstrução da sexualidade [sic]”, dizem algumas das publicações (1, 2, 3), largamente compartilhadas.
A equipe de verificação da AFP analisou uma das postagens que mostra a capa do livro e é possível ver, por exemplo, que os produtos ao lado estão precificados em euros, o que demonstra que a foto não foi feita no Brasil ou na Bienal. Além disso, a grafia do nome da obra - “As gémeas marotas”, com acento agudo no “e”, e não circunflexo, como seria no português do Brasil - indica o país de publicação, Portugal.
O nome do autor, Brick Duna se trata de um pseudônimo inspirado no nome do autor holandês de livros infantis Dick Bruna, que faleceu em 2017 aos 89 anos. Um dos personagens mais conhecidos de Bruna é o coelho Miffy, que em suas histórias infantis aproveita os pequenos momentos de felicidade em suas aventuras. Já no livro de Duna, direcionado a adultos e que faz uma paródia em cima dos trabalhos do holandês, os personagens são colocados em situações sexualizadas.
No site de notícias português Observador há uma coluna (neste link aberta para leitura) escrita pelo padre Gonçalo Portocarrero, do Opus Dei, a respeito do livro de Brick Duna, em que diz: “Atribuir a crianças, que mal sabem ler e escrever, preferências sexuais é mais do que mórbido, é monstruoso. [...] Este livro não é, obviamente, de educação sexual, mas de iniciação ao sexo com crianças, ou seja, à pedofilia”.
O livro pode ser encontrado no sites das Bibliotecas de Lisboa, da Bibliografia Nacional Portuguesa e da Biblioteca Nacional de Portugal. Nestes há algumas informações sobre a produção de “As gémeas marotas”: Brick Duna como autor, Maria Barbosa como tradutora, sua publicação consta de 2012 e a coleção em que aparece é de “ficção adultos”.
O AFP Checamos entrou em contato por e-mail com a assessoria da Bienal sobre o caso, que respondeu: “O livro em questão não esteve à venda na Bienal Internacional do Livro Rio. Trata-se de uma obra satírica para o público adulto, publicado em 2012 na Europa, que apareceu essa semana em grupos de WhatsApp. Vale lembrar que a Prefeitura vistoriou o festival por dois dias seguidos e não encontrou absolutamente nada que julgasse passível de qualquer questionamento legal, como o próprio comandante da ação afirmou a jornalistas no sábado”.
Polêmica na Bienal
A Bienal do Livro do Rio de Janeiro esteve no centro de uma polêmica depois que, em 5 de setembro, o prefeito Marcelo Crivella determinou que os organizadores do evento recolhessem o livro “Vingadores: A cruzada das crianças” por suposto conteúdo impróprio para crianças.
Segundo disse em vídeo publicado em sua conta no Twitter, “livros assim precisam estar em um plástico preto, lacrado, avisando o conteúdo. A Prefeitura do Rio de Janeiro está protegendo os menores da nossa cidade”.
Em nota, a Bienal do Livro respondeu: “Este é um festival plural, onde todos são bem-vindos e estão representados. [...] A direção do festival entende que, caso um visitante adquira uma obra que não o agrade, ele tem todo o direito de solicitar a troca do produto, como prevê o Código de Defesa do Consumidor”.
Em uma série de idas e vindas, o desembargador Cláudio de Mello Tavares mandou retirar as obras com temática LGBT que não estivessem lacradas e com advertência para o conteúdo. Posteriormente, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que a decisão fosse anulada.
O presidente do STF, Dias Toffoli, acatou o pedido de Dodge, declarando que a imagem do beijo entre os dois personagens não representa nenhuma afronta ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Em resumo, os livros vistos na fotografia não foram vendidos na Bienal do Rio de 2019, nem no Brasil, como afirmam as publicações. Além disso, ele não é direcionado a crianças, mas uma paródia do trabalho de Dick Bruna e classificado como ficção para adultos.