Funcionário checa temperatura de visitante em casino em Macau, na China, durante epidemia de coronavírus, em 22 de janeiro de 2020 (AFP / Anthony Wallace)

Médicos não recomendam chá de erva-doce para combater o novo coronavírus

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  • Publicado em 31 de janeiro de 2020 às 14:15
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  • Por AFP Brasil
Publicações compartilhadas milhares de vezes em redes sociais afirmam que médicos recomendam o consumo de chá de erva-doce para combater o novo coronavírus, identificado na China no final de 2019. A indicação se deve, segundo as postagens, ao fato da infusão possuir a mesma substância do remédio Tamiflu. Especialistas negam, no entanto, essa relação entre a erva-doce e o medicamento, que, por sua vez, não é indicado para o tratamento do coronavírus.

As publicações circulam amplamente no Facebook (1, 2, 3) e no Twitter (1, 2, 3), ao menos desde 23 de janeiro deste ano. Algumas fazem referência direta ao coronavírus, enquanto outras mencionam “a nova gripe que vai matar muita gente”.

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Captura de tela feita em 30 de janeiro de 2020 mostra mensagem publicada no Facebook

Em comum, os textos afirmam que o diretor de uma instituição identificada apenas como “Hospital das Clínicas” recomenda, para prevenir contaminação pelo coronavírus, “tomar chá de erva-doce duas vezes por dia”.

“Esta erva tem a mesma substância que o medicamento Tamiflu, o remédio usado para tratar a gripe A - H1N1. E aconselha-se tomar o chá como se fosse café, após as refeições”, diz a mensagem viralizada. 

O texto continua dizendo que um infectologista do Hospital São Domingos também recomenda tomar o chá de 12 em 12 horas, “pois ele mata o vírus da influenza”.

O Ministério da Saúde desmentiu, no entanto, a alegação de que o chá de erva-doce tenha a mesma substância do Tamiflu, indicado para tratar casos de síndrome respiratória aguda grave e de síndrome gripal. 

“As orientações de que o chá de erva-doce tem a mesma substância do medicamento Tamiflu são falsas! O chá de erva-doce não possui o princípio ativo do Tamiflu (fosfato de oseltamivir)”, afirmou a pasta em seu site.

A informação foi reiterada pela farmacêutica Roche, responsável pelo desenvolvimento do Tamiflu, em nota enviada à AFP.

“O medicamento Tamiflu, desenvolvido pela Roche, é composto por fosfato de oseltamivir (...) além de alguns excipientes, que são substâncias que complementam a massa ou volume nos medicamentos produtos farmacêuticos. Deste modo, não há, na composição de Tamiflu, o anis estrelado ou a erva doce”.

A alegação também foi negada, em nota, pelo Hospital São Domingos, de São Luís (MA), citado na mensagem viralizada.

Além disso, não é verdade que o Tamiflu seja recomendado para tratar o coronavírus, como explica a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). Segundo a SBI, o remédio é indicado somente para o tratamento e prevenção do vírus Influenza.

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Captura de tela feita em 30 de janeiro de 2020 mostra recomendações da Sociedade Brasileira de Infectologia para o novo coronavírus

À equipe de checagem da AFP, a Roche reforçou que o Tamiflu é indicado para “o tratamento e profilaxia da gripe”.

Por ter sido descoberto recentemente, ainda não há vacina ou medicamento específico para o novo coronavírus, conhecido também como 2019-nCoV. Segundo a SBI, indica-se repouso e ingestão de líquidos, “além de medidas para aliviar os sintomas, como analgésicos e antitérmicos”.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) reitera que ainda não há um tratamento para a doença causada por esse coronavírus e recomenda, como precaução, manter a higiene das mãos, práticas alimentares seguras e evitar contato próximo com qualquer pessoa que mostre sintomas como tosse e espirros.

A associação entre a erva-doce - conhecida popularmente no Brasil como anis - e o Tamiflu pode ter origem no fato do anis estrelado chinês possuir um ácido que é utilizado na produção do oseltamivir, o princípio ativo do remédio, como explica o Conselho Regional de Farmácia do Estado do Paraná.

O CRF-PR esclarece, no entanto, que apenas o ácido do anis estrelado não tem o mesmo efeito do medicamento, uma vez que são necessárias várias reações químicas complexas para transformá-lo em oseltamivir. A erva-doce não é, ainda, botanicamente relacionada ao anis estrelado chinês.

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Gráfico da AFP mostra a evolução diária da quantidade de infectados pelo novo coronavírus na China e pelo mundo

Detectado na China no final do ano passado, a nova variedade do coronavírus já deixou mais de 200 mortos e cerca de 10.000 pessoas infectadas. Desde então, a região chinesa de Hubei, epicentro da epidemia, foi isolada e a OMS declarou emergência internacional. Atualmente, o Brasil possui nove casos suspeitos de contaminação. 

Em resumo, é falso que médicos recomendem o consumo de chá de erva-doce para combater o coronavírus porque a bebida possui a mesma substância do remédio Tamiflu. Segundo especialistas, além da erva-doce não conter o princípio ativo do medicamento, este não é indicado para tratamento do novo coronavírus.

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