Estas toras não foram apreendidas em uma ação contra desmatamento ilegal, mas doadas para festa de igreja

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  • Publicado em 16 de outubro de 2020 às 19:04
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  • Por AFP Brasil
A foto de um caminhão carregado com toras foi compartilhada mais de 26 mil vezes nas redes sociais em outubro deste ano com duas diferentes alegações: a de que o material seria enviado para a Europa, ou de que se tratava de uma apreensão de madeira ilegal feita pelo Exército, que estaria em posse do fundador da principal ONG de preservação da Amazônia e “cabeça” do MST no Pará. Mas a imagem é de 2015 e a madeira foi doada para uma festividade em uma igreja.

“O Exército brasileiro prendendo caminhões com madeiras ilegais no Pará. Pasmem vocês, mas o dono de toda essa madeira é fundador da principal ONG de preservação ambiental da Amazônia, cabeça do MST-PA e esquerdista radical com vários títulos recebidos na Europa, como cidadão defensor e protetor da Amazônia”, aponta uma das legendas que acompanha a imagem, compartilhada milhares de vezes no Facebook (1, 2, 3).

“Manada de girafas da Amazônia sendo impedidas de seguir para o exterior”, indicam outras postagens (1, 2), viralizadas desde 3 de outubro deste ano.

Essa fotografia com alegação semelhante também circulou no Twitter (1, 2) e Instagram (1, 2), registrando centenas de interações.

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Capturas de tela feitas em 14 de outubro de 2020 de uma publicação no Facebook (à esquerda) e no Twitter

Foto de 2015

No entanto, a imagem dos caminhões carregados de toras de madeira é de 2015.

A equipe de checagem do Comprova, do qual o AFP Checamos faz parte, usou a ferramenta de busca reversa de imagem do Google para encontrar fotografias semelhantes. Em um dos resultados, aparece a inscrição “Máfia da Tora”.

Uma pesquisa posterior levou a uma página no Facebook de mesmo nome.

Uma análise das fotos publicadas pela página Máfia da Tora, a primeira em abril de 2014, mostrou que a fotografia que circula atualmente nas redes sociais já foi publicada em duas diferentes ocasiões: em janeiro de 2016 e em novembro de 2017.

A postagem mais antiga atribui o registro ao leitor Alessandro Antoniazzi, e afirma que foi feita durante o festejo da padroeira da cidade de Cláudia, no Mato Grosso. O AFP Checamos tentou entrar em contato com o usuário, mas não obteve retorno até a publicação deste artigo.

A padroeira da cidade é Nossa Senhora da Glória, cuja festa é comemorada todo mês de agosto, que dá o nome à paróquia da cidade.

A equipe do Checamos entrou em contato com o padre Eloi Lourenço, pároco responsável da igreja, que explicou que se trata de uma “fake news que está circulando”. Segundo ele, a foto foi registrada em 2015, durante a festa da padroeira.

“Na época, os madeireiros costumavam doar, com nota fiscal, comprovadamente, para o leilão” que acontece durante o festejo. O padre Eloi explicou que o leilão tinha o objetivo de arrecadar fundos para a manutenção da paróquia e de suas obras.

Exército e MST

O Exército declarou à equipe do Comprova que não há registros de nenhuma apreensão de madeira recente nas condições descritas pelas publicações viralizadas.

Por meio da assessoria de imprensa, assinalou que “as operações realizadas pelo Exército Brasileiro, bem como os resultados obtidos, são os divulgados no site da Força”. Em seu site oficial, por sua vez, não há qualquer registro de apreensão como a relatada nas redes.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) indicou que não tem qualquer ligação com madeireiras. “Desde a semana passada temos sido alvo de uma série de informações falsas que têm circulado deliberadamente na Internet”, comunicou o movimento.

Na contramão das acusações e “como resposta ao desmatamento”, a organização afirma que está encabeçando uma campanha nacional de plantio de árvores.

Operação Verde Brasil 2

O Exército, de fato, tem atuado no combate ao desmatamento ilegal e aos incêndios na região da Amazônia Legal. A “Operação Verde Brasil 2” teve início em 11 de maio e é comandada pelo Conselho Nacional da Amazônia, chefiado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, e formada por 11 outras organizações, como o Ibama e o Instituto Chico Mendes (ICMBio). A ação vai até o dia 11 de novembro.

Desde o início das atividades, a força-tarefa apreendeu mais de 28,7 mil metros cúbicos de madeira, com a realização de mais de 26 mil inspeções navais e terrestres e 712 apreensões.

Uma busca no site oficial do Exército por conteúdos ligados a esta operação leva a registros de algumas ações conjuntas no Pará, ligadas ao combate à extração ilegal de madeira, sem qualquer menção à suposta origem relacionada ao MST ou a ONGs de preservação ambiental.

Este conteúdo já foi verificado pelo Aos Fatos, E-Farsas e Agência Lupa.

Em resumo, é falso que a foto de caminhões com toras tivessem a Europa como destino, ou mostrasse uma apreensão feita pelo Exército de madeira ilegal, de propriedade do fundador da principal ONG de preservação da Amazônia e líder do MST no Pará. A imagem, de 2015, foi registrada em Cláudia, no Mato Grosso, e a madeira vista estava sendo levada para a festa da padroeira que iria acontecer em uma igreja do município.

Esse texto faz parte do Projeto Comprova. Participaram jornalistas da Band News FM e do Estadão. O material foi adaptado pelo AFP Checamos.

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