Assinatura de fim do shutdown nos EUA circula como se mostrasse declaração sobre sanções a satélite e GPS no Brasil

  • Publicado em 4 de dezembro de 2025 às 18:32
  • 4 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil

Em meio às reações contrárias ao início do cumprimento da pena de 27 anos e três meses do ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado, circula desde 28 de novembro de 2025 um vídeo com mais de 600 mil visualizações que supostamente mostra o mandatário norte-americano, Donald Trump, anunciando o bloqueio de satélite e GPS do Brasil e de países “que violam os direitos humanos”. Mas isso é falso: a gravação mostra a assinatura de um decreto pelo fim da paralisação governamental norte-americana. 

“EUA vai bloquear satélites de países que violam os direitos humanos”, dizem publicações que acompanham um vídeo no Instagram, no X, no YouTube e no Threads

Publicações no Kwai, no Facebook e no TikTok utilizam o mesmo vídeo para compartilhar a alegação semelhante de que os “Estados Unidos vão usar meios tecnológicos para sancionar o Brasil como o bloqueio de satélite e GPS”, enquanto outras publicações culpam o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre Moraes pelo bloqueio do sistema. 

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Captura de tela feita em 1º de dezembro de 2025 de uma publicação no TikTok (.)

Na sequência em que se vê Trump rodeado de pessoas enquanto assina um papel, é possível ouvi-lo dizer, em tradução livre do inglês: “Eu só quero dizer que o país nunca esteve em melhor forma. Passamos por este desastre de curto prazo com os democratas porque eles acharam que seria bom politicamente, e é uma honra agora assinar este incrível projeto de lei e fazer nosso país funcionar novamente”

O conteúdo começou a circular em meio à repercussão pelo início do cumprimento da pena de 27 anos e três meses pelo ex-presidente Jair Bolsonaro após transitar em julgado o processo por tentativa de golpe de Estado em 2022. 

Dias antes da determinação pelo cumprimento da pena, Bolsonaro havia sido preso preventivamente por violação de tornozeleira eletrônica. 

A medida foi determinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e posteriormente validada pela Primeira Turma da corte. Apoiadores do ex-presidente lamentaram a decisão. 

Mas a sequência viralizada não mostra Trump declarando que irá sancionar o satélite e GPS do Brasil em meio a esse contexto. 

Decreto sobre paralisação governamental 

Uma busca reversa por fragmentos da imagem levou a diferentes publicações nas redes sociais com a mesma sequência e com a informação de se tratar da assinatura de um decreto que colocou fim à paralisação do governo norte-americano (1, 2). 

Outra busca, dessa vez no Google, com a declaração de Trump em inglês, levou a uma publicação de 13 de novembro da Casa Branca em que se ouve a mesma fala do mandatário, registrada em outro ângulo. 

A legenda indica que na ocasião Trump assinou um projeto de lei “para reabrir OFICIALMENTE o governo, acabando com o Encerramento Democrata”, uma referência à paralisação governamental mais longa da história do país. 

Oshutdown, termo em inglês utilizado para descrever a paralisação do governo, teve início em 1º de outubro após o Congresso norte-americano não aprovar o orçamento federal dentro do prazo, o que forçou o cancelamento de voos e a demissão temporária de funcionários. 

A AFP reportou a assinatura do projeto de lei que reverteu essa situação e, em uma das fotos, é possível identificar as mesmas pessoas ao redor de Trump que são vistas na sequência viralizada. 

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O presidente dos EUA, Donald Trump, assina o pacote de projetos de lei para reabrir o governo federal no Salão Oval da Casa Branca, em Washington, D.C., em 12 de novembro de 2025. (AFP / Brendan SMIALOWSKI)

EUA podem bloquear GPS do Brasil?

As peças de desinformação apontam que as supostas sanções ao GPS e aos satélites se dirigiriam ao Brasil e aos “países violadores dos direitos humanos”

O GPS (Sistema de Posicionamento Global, em tradução livre do inglês) é uma ferramenta de geolocalização por satélite que foi desenvolvida e é mantida pelo Departamento de Defesa do governo dos Estados Unidos. Ela utiliza informações de mais de 30 satélites que estão em órbita para encontrar coordenadas.   

O sistema é utilizado no mundo todo para ações de defesa, mas também para aplicações civis, como em telecomunicações, que são extremamente relevantes para a economia como um todo. 

“O GPS é uma constelação de satélites norte-americana, então, são vários satélites que operam de forma coordenada e permitem uma cobertura global para prover informações sobre posicionamento, navegação em todo o planeta”, explicou Rodrigo Leonardi, diretor da Agência Espacial Brasileira (AEB), órgão que compõe o grupo que estuda a viabilidade de um sistema de localização próprio brasileiro. 

O diretor afirmou ao Checamos, em 3 de dezembro, que teoricamente seria possível o bloqueio do GPS em regiões determinadas, mas ele descreve que essa possibilidade é “muito remota”, uma vez que implicaria na quebra de confiança no sistema e provocaria uma onda de migração para outras constelações. 

Além da ferramenta norte-americana, existem outros sistemas que compõem constelações globais de navegação e fornecem sinal para todo o globo: o Galileo, da Europa; o Glonass, da Rússia; e o Compass, da China.

“Seria uma maneira de os americanos jogarem a gente no colo da China ou no colo da Rússia”, avalia Leonardi. O diretor ponderou, portanto, se um movimento como esse seria “sábio”, sobretudo em países com os quais os Estados Unidos não estão em conflito — como o Brasil. E, mesmo nesses casos, o astrofísico diz não se recordar de tal medida: “Eu não tenho conhecimento de que nos conflitos dos quais o Estados Unidos participou, por exemplo o Iraque, tenha havido degradação (do GPS) no território da guerra”. 

Leonardi ainda explicou que “mesmo na hipótese muito remota de o GPS falhar”, seria possível utilizar as informações de um satélite de outra constelação. 

“Nunca houve nenhuma declaração formal de nenhum tipo, nem por via diplomática, nem por agências, nem por qualquer órgão do governo americano para o governo brasileiro com relação à possibilidade de alguma forma de restringir o sinal de GPS no território nacional como retaliação de qualquer tipo”, acrescentou. 

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