Capturas de tela feitas em 2 de setembro de 2025 de publicações no TikTok e no Instagram (.)

Vídeos de idosos foram manipulados para vender produtos e aumentar o engajamento de contas nas redes sociais

Pantufas, chaveiros, criação de animais... Desde o início de 2025, empreendimentos supostamente encabeçados por idosos em situação precária inundam as redes sociais. Mas atenção: os conteúdos que promovem essas iniciativas foram alterados para tentar gerar empatia e compras por parte dos usuários. A AFP conversou com pessoas que aparecem nos vídeos virais e localizou as gravações originais, que não têm relação com vendas ou ajudas financeiras. Especialistas apontam que as imagens são usadas para direcionar clientes a plataformas de e-commerce e aumentar o engajamento de contas.

“Por favor, fique 14 segundos para apoiar o negócio fracassado de pantufas do meu marido”, lê-se em um vídeo publicado no TikTok que mostra uma mulher idosa em lágrimas: “Comenta quero pra ajudar”, diz a legenda da publicação. 

Então aparece um senhor idoso supostamente fazendo pantufas, ao lado de um texto dizendo: “Ele nao fez nenhuma única venda há 5 meses” .

Publicações semelhantes também circulam no Facebook e no Instagram e em vários idiomas, como francês, inglês e espanhol.

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Captura de tela feita em 2 de setembro de 2025 de uma publicação no Facebook (.)

As publicações virais têm uma estrutura comum: mostram um idoso ou um suposto familiar triste com o fracasso de um negócio, e logo depois uma sequência mostrando um produto artesanal à venda, incentivando quem assiste a comprá-lo.

No entanto, os vídeos foram alterados digitalmente. As contas que os divulgam utilizam conteúdos de outros usuários de redes sociais e os editam para criar uma narrativa falsa e manipular emocionalmente os consumidores, com o objetivo de vender produtos sem relação com as pessoas exibidas nas gravações.

Vídeos retirados de outras contas

Uma busca reversa no Google usando capturas-chave de um dos vídeos virais levou a outros conteúdos publicados que usam sequências semelhantes para promover produtos diferentes.

Ainda usando a busca reversa, a AFP identificou que a senhora, que aparece em várias publicações (1, 2), é Barbara Kingsley, professora aposentada norte-americana e criadora de conteúdo no TikTok.

A AFP entrou em contato com Kingsley, que negou ter feito os vídeos virais para vender produtos: “Não vendo nada, nunca vendi e nunca vou vender”, afirmou, em 27 de agosto de 2025. “Estou aqui pelo meu país, não estou aqui para ganhar dinheiro”, acrescentou, se referindo às suas criações com fins políticos, como se vê nos vídeos completos que contêm parte da sequência viral.

Conteúdo com narrativa semelhante, de venda de pantufas por idosos em situação vulnerável, utiliza a imagem da avó da criadora de conteúdo Fernanda Franck, identificada como “nandaevovo” no TikTok. 

Uma busca reversa com capturas de tela do vídeo viral levou à sequência original, publicada na plataforma em 6 de agosto de 2023, em que a idosa chora por não querer que a neta saísse do lado dela. Não se menciona a venda de qualquer produto. 

Outro vídeo viralizado com mensagem semelhante utiliza, na verdade, a gravação da “Vovó Valdeci”, uma senhora de 87 anos que lida com a doença de Alzheimer. Uma busca reversa no Google com capturas-chave da sequência viralizada levou à página oficial da neta de Valdeci, Patrícia, que publica o dia a dia da senhora nas redes sociais.  

Outra busca reversa levou às imagens originais, em que Valdeci não cita nenhum marido ou negócio. 

A AFP encontrou outras contas com gravações manipuladas para fins econômicos, como este conteúdo que, na verdade, exibe a imagem de Joar Berge, que se dedica à proteção de animais. 

Manipulações para engajar e vender

Muitas das contas com vídeos falsos incluem links em suas descrições que levam a páginas de revenda de lojas. 

O coordenador de projetos no Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais (Netlab) e mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Bruno Mattos, explica que a criação de conteúdos falsos utilizando técnicas como deepfake que levam para plataformas de e-commerce é uma tendência perigosa mapeada pelo laboratório. 

“Esses conteúdos [mostrando idosos] têm um apelo mais amplo e são capazes de mobilizar e engajar emocionalmente um público maior do que as outras deepfakes que geralmente circulam. Eles diferem no sentido de não se limitar a um grupo específico, por isso são usados nesse contexto. Inclusive, são mais perigosos por ultrapassar essa segmentação das redes”, afirma o pesquisador. 

No mesmo sentido, o diretor executivo do Departamento Francês contra o Cibercrime, Jérôme Notin, assinala que atualmente os golpes se adaptam às redes sociais para atrair pessoas de todas as idades.

Ele também afirmou à AFP, em 22 de agosto de 2025, que os fraudadores sempre usaram a técnica da manipulação emocional, assim como nessas publicações virais, nas quais “pessoas sem princípios morais (...) se aproveitam dos sentimentos” de outras pessoas.

Em 25 de agosto de 2025, o TikTok afirmou à AFP que, conforme especificado nas regras de uso da plataforma, não são permitidas “tentativas de fraudar e enganar os membros” da comunidade e que “as contas dos usuários que violarem a regra repetidamente poderão ser bloqueadas”. 

Referências 

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