Saída temporária de 28 mil detentos em São Paulo foi autorizada pelo Judiciário

  • Publicado em 28 de março de 2025 às 16:29
  • 5 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
Em março de 2025, veículos de imprensa noticiaram que mais de 28 mil detentos teriam direito à saída temporária no estado de São Paulo. Desde então, publicações com mais de 9 mil interações nas redes sociais alegam que o benefício teria sido autorizado pelo governo federal, que também teria impedido policiais de prender novamente os detentos caso descumprissem as regras. É falso: as saídas temporárias são autorizadas por juízes, e não pelo Poder Executivo.

“Governo Lula manda dar folga de 7 dias para 28,200 criminosos e proibi que sejam presos por policiais se descumprirem as regras”, diz uma das publicações que circulam no Facebook, no Instagram, no Kwai e no TikTok.

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Captura de tela feita em 27 de março de 2025 de uma publicação no Facebook (.)

Os conteúdos são acompanhados da fala de um homem usando um terno, que diz: “Mais de 28.200 criminosos deixaram as penitenciárias do estado de São Paulo nesta terça-feira para mais uma saída temporária. Este é o primeiro benefício do ano, que deve se repetir por outras três oportunidades: em junho, setembro e dezembro, e dura sempre sete dias. Apesar do projeto do secretário de Segurança Pública do Estado, Guilherme Derrite, que determina o fim da saidinha ser aprovado, o governo sancionou com vetos essa medida, alegando atentado contra valores fundamentais da Constituição”.

“Além disso, o Conselho Nacional de Justiça determinou a proibição da condução de detentos flagrados descumprindo as normas do benefício a menos que os policiais possuam uma decisão judicial”, continua a fala.

Uma busca no Facebook por “saída 28 mil criminosos” mostrou que o homem é o apresentador Daniel Caniato, da Jovem Pan, que proferiu a fala viral em uma matéria veiculada em 11 de março de 2025 pela emissora.

Contudo, as decisões citadas pelo jornalista não são de responsabilidade do governo federal, ao contrário do que sugerem os textos das publicações compartilhadas nas redes.

Em uma nota enviada ao AFP Checamos no último dia 26 de março, a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) do estado de São Paulo afirmou que “o Poder Judiciário é responsável pelas concessões das saídas temporárias”.  

“O benefício é previsto na Lei de Execução Penal e com as datas reguladas, no Estado de São Paulo, conforme Portaria DEECRIM 02/2019 e suas complementações”, acrescentou o órgão. 

Como citado pela Secretaria, a Lei de Execução Penal prevê que cabe ao juiz de execução penal autorizar as saídas temporárias de presos elegíveis para o benefício.

No estado de São Paulo, as datas das saídas temporárias foram estabelecidas pela  Portaria Conjunta TJSP n. 2/2019, de magistrados do Departamento Estadual de Execução Criminal (Deecrim), e, por isso, ocorrem anualmente nos meses de março, junho, setembro e dezembro.

“O Poder Judiciário autorizou a saída temporária de 29.899 reeducandos do regime semiaberto do dia 11 a 17/03/2025 em todo o Estado, sendo que 1.058 não retornaram”, acrescentou a nota da SAP enviada ao Checamos. “É importante lembrar que quando o preso não retorna à Unidade Prisional, é considerado foragido e perde automaticamente o benefício do regime semiaberto, ou seja, quando recapturado, volta ao regime fechado”.

Veto de Lula foi derrubado pelo Congresso

Como citado pela reportagem da Jovem Pan, o Congresso aprovou em 20 de março de 2024 o PL 2253/22, que restringiu consideravelmente o benefício das saídas temporárias — popularmente conhecidas como “saidinhas”. O relator da proposta, que modificou o texto original por meio de um substitutivo, foi Guilherme Derrite (PL-SP), atual secretário de Segurança Pública de São Paulo. À época, Derrite foi exonerado do cargo para ser o relator da proposta.

Após a aprovação pelo Legislativo, a proposta foi à sanção presidencial, e foi sancionada com vetos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, justificou o veto afirmando que a proibição de visita às famílias dos presos, prevista na proposta, atentava contra valores fundamentais da Constituição.

Esse veto, porém, foi derrubado pelo Congresso em maio de 2024, de forma que prevaleceu a permissão para a saída temporária apenas para estudo ou curso profissionalizante. A proposta foi convertida na Lei 14.843/24.

As saídas temporárias no estado de São Paulo seguem ocorrendo, mesmo com a aprovação do projeto de Derrite, pois a nova regra só vale para aqueles que foram presos após sua aprovação, ou seja, todos os detentos que já cumpriam pena antes da aprovação da proposta seguem tendo direito ao benefício, como explicado em uma reportagem veiculada pelo canal Band.

Decisão do CNJ

O conteúdo viral também afirma que o governo federal teria proibido que os detentos “sejam presos por policiais se descumprirem as regras” da saída temporária.

Como citado pela própria matéria da Jovem Pan, a decisão em questão partiu do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão do Poder Judiciário, e não do governo federal. O Conselho decidiu que, para reconduzir os sentenciados ao presídio, é necessário uma ordem judicial.

A decisão foi tomada em dezembro de 2024 pelo CNJ ao julgar o segundo parágrafo do Artigo 7º da Portaria Conjunta TJSP n. 2/2019, que previa que, caso a Polícia Civil ou Militar constatasse descumprimento das condições previstas na saída temporária, deveriam reconduzir o detento ao presídio. 

No entendimento do relator do procedimento no CNJ, porém, essa ação direta de policiais antes de uma ordem judicial poderia violar garantias legais e processuais dos sentenciados.

Este conteúdo também foi verificado pela Agência Lupa.

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