Alegação enganosa de que governo federal cobra taxa sobre poços artesianos volta a circular

  • Publicado em 26 de março de 2025 às 17:13
  • 8 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
O vídeo de um produtor rural falando sobre a taxa cobrada pela água de poços artesianos não tem relação direta com o governo federal. O episódio ocorreu em 2023, e seu registro voltou a circular em março de 2025 por meio de publicações com mais de 2,7 mil interações. Nelas, a intervenção do produtor circula junto a mensagens que aludem ao presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e a um suposto imposto federal pelo uso dos poços. Isso é enganoso: além de não ter sido criado nenhum novo tributo sobre o tema, são os governos estaduais que determinam as taxas de gestão desse recurso hídrico.

“Lula quer cobrar a água de poço artesanal” e “Qualquer dia desse Lula vai cobrar imposto dos mortos”, lê-se em uma das publicações, com o vídeo, que circulam no Instagram, no Facebook e no Kwai.

Na sequência, um homem que usa uma camisa amarela e segura um microfone diz: “É uma vergonha o que o governo tá fazendo. Cobrar água do poço que eu fiz? O poço é R$ 7.500/R$ 8 mil, um poço bom. Aí agora eu vou ter que pagar R$ 200/R$ 300 por mês?”

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Captura de tela feita em 25 de março de 2025 de uma publicação no Instagram (.)

Uma busca reversa por um dos trechos da sequência levou ao vídeo publicado pelo deputado estadual Felipe Mota (União Brasil) em seu perfil no Instagram, após uma visita ao Perímetro Irrigado de Morada Nova, localizado nos municípios de Morada Nova e Limoeiro do Norte, no Ceará.

Na legenda da publicação, feita em 30 de outubro de 2023, o parlamentar deixa claro que a insatisfação do morador é relativa à gestão estadual, sob o comando do governador Elmano de Freitas (PT): “Embora o governo do Ceará alegue ser o governo do povo, lamentavelmente, constatamos a ausência de medidas efetivas para promover o desenvolvimento dessa região”.

Em nota enviada ao Comprova, projeto de verificação coletiva do qual o AFP Checamos faz parte, Mota informou o nome do produtor rural — Clodoaldo Galvão — que reclamou sobre a cobrança mensal do poço em sua propriedade e evidenciou que a audiência pública debateu a falta d’água nas áreas de agricultura irrigada do estado.

Uma busca por palavras-chave no Facebook levou a uma transmissão ao vivo de 27 de outubro de 2023. A partir de 2 horas 31 minutos e 56 segundos, o produtor rural Clodoaldo Galvão é chamado e fala da situação vivenciada em sua propriedade, durante uma audiência da Comissão de Agropecuária da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará. O trecho viral compartilhado nas redes começa em 2 horas e 33 minutos.

Em 2023, o Comprova consultou o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional e a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) sobre a cobrança de tarifa pelo governo federal. Ambos os órgãos afirmaram que a gestão de águas subterrâneas é de responsabilidade dos estados, portanto, não existe recolhimento de pagamentos pela União.

Consultada pelo AFP Checamos em março de 2025, a ANA voltou a negar a existência de um imposto federal sobre poços artesianos.

“Essa informação não procede, já que as águas subterrâneas são de domínio estadual e distrital segundo a Constituição Federal de 1988. À União compete a regulação das águas superficiais interestaduais e transfronteiriças, além dos reservatórios federais. Tal regulação é feita por meio da edição de outorgas de direito de uso de recursos hídricos”, informou a agência.

Em seu site, a ANA também explica que a cobrança pelo uso da água é prevista na Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos, de 1997: “Todos e quaisquer usuários que captem, lancem efluentes ou realizem usos consuntivos diretamente em corpos de água necessitam cumprir com o valor estabelecido”.

Ainda segundo a agência, ela apenas arrecada e repassa os valores das cobranças dos recursos hídricos de domínio da União.

Lei em vigor sobre uso de poços artesianos no Ceará

Em fevereiro de 2021, a Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará publicou uma nota na qual explica que a cobrança de taxa pelo uso de poços artesianos é prevista desde 1996 “e está dentro do que determina a Política Estadual de Recursos Hídricos”.

No artigo 45 da Lei do Saneamento Básico, de 2007, também é estabelecido o pagamento de tarifa pelo uso de recursos hídricos, assim como na Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos.

Em nota ao Comprova em 2023, o governo cearense explicou que a cobrança pelo uso dos recursos hídricos está assegurada no artigo 16 da Lei 14.844, publicada no Diário Oficial do Estado do Ceará em 30 de dezembro de 2010. A secretaria esclareceu, ainda, que a tarifa seria atualizada “após emissão de resolução pelo Conselho dos Recursos Hídricos do Ceará (Conerh) e referendada por Decreto Estadual”.

Até março de 2025, a última atualização da tarifa pelo uso dos recursos hídricos no Ceará ocorreu em julho de 2024, conforme informado em um comunicado publicado pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (COGERH)

O reajuste foi determinado pelo decreto estadual nº 36.091/2024, que informa: “Os recursos decorrentes da cobrança pelo uso de recursos hídricos serão empregados para viabilizar atividades de gestão dos recursos hídricos, para realização de obras de infraestrutura operacional do sistema de oferta hídrica, bem como para incentivo à racionalização do uso da água”.

Em 2023, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) do governo federal publicou uma nota informando que o Executivo “não cobra taxa por poço artesiano”. Em março de 2025, a Secom informou que o posicionamento “permanece o mesmo”.

Esse texto faz parte do Projeto Comprova. Participaram jornalistas do Alma Preta, da CBN e do Estadão. O material foi adaptado pelo AFP Checamos.

Referências

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