Vídeo de mulheres acorrentadas não mostra a Síria em 2024, e sim um protesto em Londres em 2014
- Publicado em 31 de dezembro de 2024 às 20:24
- 4 minutos de leitura
- Por Océane CAILLAT, AFP França
- Tradução e adaptação AFP Peru , AFP Brasil
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“Após a queda do regime ‘ditatorial’ de Assad, abriu-se um novo capítulo na Síria. Um mercado de escravos foi aberto na Síria. No vídeo, o ‘vendedor’ se dirige aos militantes e mostra mulheres acorrentadas: yazidis, curdas e cristãs, que foram sequestradas, pelos terroristas depois de matarem os seus maridos. ‘Venha pegar o que é seu, leve uma escrava sexual’”, diz uma das publicações compartilhadas no Facebook, no Instagram e no X.
O conteúdo também circula em espanhol, francês, grego e italiano.
Na sequência viral, mulheres vestidas com niqabs e túnicas pretas aparecem acorrentadas, enquanto são vigiadas por homens. Um deles, que usa um lenço na cabeça e segura um megafone, anuncia, em inglês: “Temos mulheres yazidis, temos mulheres curdas e temos cristãs”, como se estivesse realizando uma venda pública.
Contudo, o conteúdo não é um registro da situação na Síria após a queda de Bashar al-Assad, em dezembro de 2024.
Protesto de 2014
Uma pesquisa no Google pelas palavras-chave, em inglês, “curdo”, “cristã”, “mulher”, “sexo” e “escravo” conduziu a um artigo da revista norte-americana Newsweek, publicado em 15 de outubro de 2014, que inclui uma fotografia condizente com o vídeo viral.
Na imagem, é possível ver o mesmo homem vestindo uma jaqueta verde, um lenço cinza na cabeça e segurando um megafone vermelho e branco. Ao fundo, também se vê outro homem com um lenço branco e uma jaqueta marrom, assim como mulheres com niqabs e túnicas pretas.
Além disso, os elementos arquitetônicos do local também correspondem aos da sequência viral.
De acordo com a descrição das imagens no artigo da Newsweek, a fotografia foi feita em frente ao Parlamento britânico, em Londres, localizado no Palácio de Westminster, em 14 de outubro de 2014.
O texto da matéria indica que se trata de um protesto de um grupo de ativistas curdos que fizeram uma representação de um “mercado de escravos” no centro de Londres para denunciar as práticas de “comércio de escravos do Estado Islâmico”.
Uma nova pesquisa no Google pelo evento com termos em inglês permitiu encontrar reportagens da BBC, do Huffington Post e do India Today, publicadas em outubro de 2014.
As matérias informam que a encenação de um leilão de escravos no centro da capital britânica foi organizada por ativistas curdos que pertenciam ao grupo “Compassion 4 Kurdistan”, ou “Compaixão pelo Curdistão”, em tradução livre para o português.
Os ativistas realizaram a performance em frente a vários lugares emblemáticos de Londres, incluindo o Palácio de Westminster.
Uma busca pelo Parlamento britânico em Londres no Google Street View confirmou que a fachada que cerca o palácio coincide com a coluna e as grades pretas vistas no vídeo viral.
A mesma sequência já havia circulado fora de contexto em 2021, quando foi compartilhada como se mostrasse ações do Talibã no Afeganistão e foi desmentida, à época, pela AFP.
Apesar de as imagens não mostrarem um mercado de escravos na Síria, o tráfico de seres humanos é uma realidade conhecida e reportada nos últimos anos por minorias étnicas ou religiosas no país, impondo a escravidão sexual a muitas mulheres dessas comunidades, principalmente.
Em 2016, um informe das Nações Unidas intitulado “Chegaram para destruir: Os crimes do Estado Islâmico contra os yazidis” definiu essas ações como equivalentes a um “genocídio”.
Referências
- Reportagens de veículos de comunicação sobre o protesto em Londres (1, 2, 3, 4)
- Localização no Google Street View