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Portarias do governo Bolsonaro revogadas em 2023 não têm relação com testagem de órgãos
- Publicado em 23 de outubro de 2024 às 20:15
- 5 minutos de leitura
- Por AFP Brasil
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“A ministra da Saúde do PT revogou 2 portarias do Governo Bolsonaro/Queiroga, que impunham controles no Sistema Nacional de Transplante. Veja as consequências”, diz a legenda de um vídeo publicado nas redes sociais do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A gravação também foi compartilhada pela deputada federal Carla Zambelli (PL) e circula no LinkedIn, no Telegram, no Instagram e no Threads, no Facebook e no X. Nela, o apresentador Luís Ernesto Lacombe diz:
“A ministra da Saúde anunciou a revisão do sistema nacional de transplantes depois que seis pacientes no Rio de Janeiro testaram positivo para HIV (...) O médico do Conselho Federal de Medicina Francisco Cardoso publicou nas redes sociais uma decisão da ministra da Saúde que revogou duas portarias criadas no governo Bolsonaro. Essas portarias que deixaram de valer eram fundamentais para garantir a segurança e a qualidade nos transplantes.”
Na publicação em questão, Cardoso alega que a revogação das Portarias nº 3.264 de 2022 e nº 3.265 de 2022 teria eliminado “regras essenciais do Programa de Qualidade de Doação de Órgãos”.
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No último dia 11 de outubro, foi noticiado pela Band que seis pessoas que estavam na fila do transplante no Rio de Janeiro receberam órgãos contaminados por HIV de doadores. O laboratório responsável pelas testagens dos órgãos tinha um contrato de R$ 11 milhões com a Fundação Saúde do estado e está sendo investigado pela Polícia Civil.
Em 22 de outubro, o Ministério Público denunciou seis pessoas, entre funcionários e sócios do laboratório, por associação criminosa, lesão corporal grave e falsidade ideológica.
Contudo, conforme apurado pelo Comprova, projeto de verificação do qual o AFP Checamos faz parte, as portarias mencionadas nas postagens não tinham relação com a testagem de órgãos doados.
O que diziam as portarias
As portarias nº 3264 e nº 3265 dispunham sobre o Qualidot, programa de qualificação do Sistema Nacional de Transplantes (SNT) lançado em 2022, que concede acréscimos financeiros para centros transplantadores com base em indicadores qualitativos.
Essas portarias foram revogadas em 12 de setembro de 2023 pela portaria nº 1.262, durante uma revisão dos indicadores do Qualidot. Na época, o Ministério da Saúde informou que a medida foi necessária por conta de “problemas e riscos encontrados pela atual gestão em relação aos indicadores escolhidos”.
Em outubro de 2024, ao Comprova, o Ministério da Saúde destacou que foram feitas mudanças no valor de incentivo e no monitoramento, por parte das centrais estaduais, dos indicadores para recebimento desse valor, já que antes isso ocorria sem o devido acompanhamento, segundo o órgão. Entre as modificações estão:
- Mudança de nome do incremento: de Qualidot para Incremento Financeiro para Qualidade do Sistema Nacional de Transplantes;
- Reforço na participação das Comissões Intergestores Bipartite, para fortalecer a gestão e auxiliar no monitoramento do repasse de incentivos financeiros públicos;
- A classificação dos serviços de transplantes foi reformulada, a fim de esclarecer melhor os parâmetros;
- Reajuste dos valores de incrementos, ampliando os recursos destinados a cada nível de classificação em relação às portarias revogadas;
- Definição de indicadores a serem monitorados pelas centrais estaduais de transplantes como contrapartida dos incrementos, como realização de vistorias técnicas e o acompanhamento da sobrevida dos pacientes.
O ministério ressaltou que o caso ocorrido no Rio de Janeiro “se trata de um evento isolado cujas providências já estão sendo tomadas pelas autoridades competentes”. A pasta disse, ainda, que as alegações de que a revogação teria impacto na testagem dos órgãos são “infundadas e não correspondem à realidade”, e que as modificações nas portarias reforçam a segurança e eficiência do sistema.
Ao Comprova, a presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), Luciana Haddad, reiterou que a revogação das portarias não tem relação com os casos de infecção pelo HIV.
“As portarias não têm qualquer relação com os fatos. Elas não tratam de doadores de órgãos, mas sim dos procedimentos de transplante. Elas são muito semelhantes, [a revogação] mudou apenas a forma de avaliar o incremento e aumentou o valor do incremento, mas nada relacionado à doação de órgãos”, frisou.
Questionada se a norma poderia ter levado a uma redução de custos e, consequentemente, à redução na qualidade do serviço, Luciana ressaltou que, “pelo contrário, a portaria fez um incremento financeiro”.
Em novembro de 2023, a pasta anunciou a liberação de R$ 56 milhões para o Qualidot. Segundo as novas regras, os recursos são distribuídos de forma progressiva, de modo que os centros transplantadores podem receber acréscimo financeiro de 40% a 80%.
Testagem de órgãos doados
A Lei nº 10.211 de 2001 estabelece que transplantes ou enxertos de tecidos, órgãos e partes do corpo humano só pode ser autorizados após “a realização, no doador, de todos os testes de triagem para diagnóstico de infecção e infestação exigidos em normas regulamentares expedidas pelo Ministério da Saúde”.
Em nota, o Ministério da Saúde informou que, no Brasil, são obrigatórios testes para HIV e hepatites B e C. Se um doador testa positivo, o órgão não é aceito para o transplante. “Assim, é possível afirmar que os exames realizados na triagem ajudam a excluir doações que poderiam comprometer a saúde de pessoas que aguardam um transplante de órgão. Entrevistas com doadores ou famílias e exames físicos para verificar possíveis problemas também são feitos”.
Esse texto faz parte do Projeto Comprova. Participaram jornalistas do Metrópoles, O Povo e da Agência Tatu. O material foi adaptado pelo AFP Checamos.
Este conteúdo também foi verificado pelo Aos Fatos.
Referências
- Portaria nº 3264, de 11 de agosto de 2022
- Portaria nº 3265, de 11 de agosto de 2022
- Portaria nº 1.262, de 12 de setembro de 2023
- Presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, Luciana Haddad
- Lei nº 10.211, de 23 de março de 2001
- Nota do Ministério da Saúde sobre os transplantes de órgãos infectados pelo HIV