Sequência com filmagens de 2022 é editada para sugerir que Lula defendeu fechamento de igrejas
- Publicado em 22 de outubro de 2024 às 20:09
- 4 minutos de leitura
- Por AFP Brasil
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No vídeo, compartilhado no Facebook, no Instagram e no Kwai, lê-se, acima das imagens editadas de Lula: “ISSO É INACEITÁVEL. LULA QUER FECHAR TODAS AS IGRJAS DO NOSSO BRASIL”. “DEUS TÁ VENDO! e não vai permitir, que isto aconteça”, diz a parte inferior do conteúdo viral.
A sequência, que já havia sido compartilhada parcialmente em 2022, voltou a ganhar força nas redes a partir de 15 de outubro de 2024, quando Lula recebeu líderes ligados ao campo religioso cristão no Palácio do Planalto, para a sanção da lei que institui o Dia da Música Gospel, previsto no Projeto de Lei 3.090 de 2023.
Mas Lula não defendia o fechamento de igrejas nos trechos compartilhados.
Vídeo distorce discursos
O vídeo viral mostra trechos retirados de duas transmissões ao vivo em que Lula defende a atuação de um Estado laico.
Na primeira parte do conteúdo viralizado, o presidente, usando uma camisa preta, diz:“E quero dizer olhando nos olhos de vocês. Eu, Luiz Inácio Lula da Silva, defendo que o Estado não tem que ter religião. Com a tranquilidade de um homem. Eu falo isso com a tranquilidade de um homem. Eu não preciso de padre ou de pastores”.
Através de uma busca reversa feita com capturas-chave do vídeo no Google, o AFP Checamos encontrou a transmissão ao vivo do comício de onde as imagens foram retiradas. O evento foi realizado no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, em 20 de agosto de 2022.
A fala viralizada começa após a primeira hora da transmissão, no momento 1:13:53.
“Eu defendo o Estado laico. O Estado não tem que ter religião. Todas as religiões têm que ser defendidas pelo Estado”, afirmou Lula, em trecho omitido da gravação compartilhada nas redes.
Posteriormente, o atual presidente disse que, quando quer “conversar com Deus”, não precisa “de padre ou de pastores". “Eu posso me trancar no meu quarto e conversar com Deus quantas horas eu quiser”, concluiu.
O discurso de Lula à época foi publicado por diversos meios de comunicação (1, 2, 3).
Em 2022, a gravação, também editada, circulou com alegação semelhante e foi checada pelo Comprova, projeto de verificação coletiva do qual a AFP faz parte.
Na ocasião, a assessoria de imprensa do presidente afirmou que o mandatário é "a favor da liberdade religiosa, tendo inclusive assinado a Lei de Liberdade Religiosa durante o seu governo", em referência à lei federal 10.825/2003, que define “as organizações religiosas e os partidos políticos como pessoas jurídicas de direito privado” e assegura a “criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações (...) sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento”.
Comício em São Gonçalo, no Rio
A segunda parte do conteúdo viral mostra um trecho de um encontro que Lula fez com evangélicos em São Gonçalo, município do Rio de Janeiro, em 9 de setembro de 2022. A gravação original também foi encontrada por capturas-chave do vídeo viralizado.
Nas imagens, o presidente está usando um terno cinza e é possível ouvi-lo dizer: “Eu aprendi que o Estado não deve ter religião, não deve ter igreja”.
No entanto, na fala completa, a partir do minuto 1:13:24, é possível constatar que Lula defendia que o Estado deveria tratar de forma igual todas as religiões.
“Nunca houve na história do Brasil um presidente que tratasse as religiões e as igrejas com a democracia que eu cuidei neste país. Duvido que alguém tenha cuidado e garantido a liberdade de criar igreja, a liberdade de praticar a sua fé (...). Eu aprendi que o Estado não deve ter religião, o Estado não deve ter igreja. O Estado tem que garantir o funcionamento e a liberdade de quantas igrejas as pessoas quiserem criar”, disse.
O artigo 5º da Constituição Federal de 1988 assegura que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Além disso, em 1997 entrou em vigor a lei federal 9.459, que prevê punições para “os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional".