Suramina, difundida como “cura para o autismo”, não tem eficácia comprovada contra o TEA

  • Publicado em 17 de abril de 2024 às 20:21
  • 4 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
A suramina é um fármaco antiparasitário usado para tratar a doença do sono africana. Desde 2 de abril de 2024, a substância circula nas redes como a “cura” para o Transtorno do Espectro Autista (TEA) em publicações compartilhadas mais de 600 vezes. Isso é falso: embora alguns estudos preliminares tenham sido feitos com o medicamento contra o TEA, seus resultados ainda são inconclusivos e a eficácia não é comprovada. Especialistas ouvidos pela AFP ressaltam, ainda, que o autismo não é uma doença e, portanto, não há uma cura.

“A cura para o autismo se chama suramina”, garante a imagem viralizada no Facebook. O conteúdo foi amplamente compartilhado no X e circulou também no Instagram.

Dias antes, em março de 2024, a alegação também foi difundida em inglês.

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Captura de tela feita em 14 de abril de 2024 de uma publicação no Facebook (.)

Além de afirmar que a suramina seria uma possível cura para o TEA, a publicação viral atribui o desenvolvimento do transtorno aos “metais pesados existentes em todas essas vaxxs [vacinas] que toda criança toma”.

Ambas as afirmações são falsas: nem a suramina possui eficácia comprovada contra o autismo, nem existe qualquer risco aumentado para o desenvolvimento de TEA ligado à vacinação, como reiterado pela Organização Mundial da Saúde e pelos especialistas contatados pela AFP.

Causas e tratamentos para o TEA

Os especialistas também foram unânimes em destacar que, apesar de as causas exatas do TEA ainda serem estudadas pela ciência, o transtorno tem uma base genética, com a influência de fatores ambientais.

A Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) define o TEA como “uma série de condições caracterizadas por algum grau de comprometimento no comportamento social, na comunicação e na linguagem”, além de interesses restritos e atividades realizadas de forma repetida.

O autismo é tido como uma condição permanente, o que significa que não existe uma cura para o transtorno. Além disso, a noção de “cura” pode dar a entender que se trate de uma doença, o que tampouco é verdade: 

“Quando a gente fala de cura, a gente está realmente levando para esse paradigma de doença. E hoje estamos entendendo o paradigma da neurodiversidade (...) Hoje falamos muito de adequações, acomodações sensoriais, de acessibilidade cultural, de lazer, enfim. Estamos pensando mais em participação das pessoas autistas na nossa sociedade do que na cura delas”, destaca Carolina Cangemi Gregorutti, professora de terapia ocupacional especializada em TEA e crianças neurodiversas, e pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB).

“Não existe remédio para o autismo, apenas para suas comorbidades, ou seja, trata-se os sintomas indesejáveis como convulsões, ansiedade, agressividade etc. O tratamento mais indicado para autistas hoje em dia são terapias comportamentais que auxiliam o autista a viver em sociedade”, concordou o neurocientista Alysson Muotri, professor da faculdade de medicina da Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD) e cofundador da startup de biotecnologia Tismoo, focada em autismo.

A suramina

Nesse contexto, o neurologista pediátrico Eduardo Jorge Custódio, membro do departamento científico de Neurologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), explica que existe uma “grande quantidade de drogas [medicamentos] para efeitos e comorbidades associadas” no tratamento do TEA.

A suramina, porém, não é um desses fármacos.

Sintetizada pela primeira vez em 1916 por químicos da Bayer, a suramina é um antiparasitário usado no tratamento da doença do sono africana.

Em um estudo de 2014, o pesquisador Robert Naviaux, da UCSD, publicou, junto a outros colegas, um estudo a respeito do uso da suramina para reverter sintomas do autismo em camundongos (1, 2). 

Segundo o site do laboratório de Naviaux, vinculado à UCSD, essas pesquisas foram conduzidas de 2013 a 2017, e incluíram um pequeno ensaio clínico em humanos.

Alysson Muotri, também professor da UCSD, destacou, porém, que esses estudos são “preliminares”:

“Estudos preliminares feitos por um colega aqui da UCSD (Dr. Naviaux) mostraram resultados promissores no uso da suramina em autistas. No entanto, o estudo é inconclusivo (baixo número de pessoas testadas, falta de controles, efeitos colaterais etc). Será preciso fazer ensaios clínicos controlados para demonstrar eficácia”.

Em conversa com o AFP Checamos, o neuropsiquiatra especialista em TEA Estevão Vadasz reforçou:

“A suramina não é aprovada em nenhum lugar do mundo para o tratamento de autismo”.

Procurada, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou ao AFP Checamos que não há registro no Brasil para medicamentos que contenham suramina e, portanto, não existe nenhum tipo de tratamento para o qual a suramina seja indicada pela agência.

A Anvisa também informou, em 9 de abril de 2024, que “não há nenhum pedido de anuência de ensaio clínico envolvendo o produto mencionado (suramina)”.

“Ressaltamos que somente ensaios clínicos que tenham finalidade de subsidiar o registro do medicamento estão sujeitos à análise e anuência da Anvisa. Pesquisas de caráter científico ou acadêmico não dependem de autorização da Anvisa”, acrescentou o órgão.

Referências

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