"O Avesso da Pele" foi incluído no Programa Nacional do Livro Didático no governo Bolsonaro

  • Publicado em 8 de março de 2024 às 22:37
  • 5 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
Em 1º de março de 2024, a diretora de uma escola pública do Rio Grande do Sul publicou um vídeo nas redes sociais criticando  o governo federal por ter distribuído exemplares do livro “O Avesso da Pele” à unidade, alegando que a obra conteria “erotismo”. Diante disso, publicações com mais de 280.000 interações passaram a atribuir  à gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a escolha da obra para o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Contudo, as postagens omitem que o livro foi incluído no PNLD em 2022 após ser inscrito em edital de 2019, durante o governo Bolsonaro. 

“O livro O Avesso da Pele foi escolhido pelo MEC em 2023 para ser trabalhado com os alunos do ensino médio neste ano. A obra integra um catálogo previsto no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)”, diz uma postagem no Facebook, enquanto outras fazem menções diretas ao governo Lula (1, 2). 

Outros usuários apenas informam, em tom crítico, que “o livro faz parte das obras selecionadas pelo Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD)”  (1, 2, 3).

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Captura de tela feita em 5 de março de 2024 de uma publicação no Facebook (.)

Os conteúdos começaram a circular após viralizar o vídeo da diretora de uma escola pública de Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul, relatando que o governo federal enviou 200 exemplares do livro “O Avesso da Pele” para ser trabalhado com estudantes do ensino médio. Ao ler algumas passagens da obra, que classifica como “erotismo”, afirma que “é lamentável o governo federal mandar esse tipo de linguagem para ser trabalhado com adolescentes”.

Nas redes sociais, políticos repercutiram o vídeo, alegando “doutrinação” de crianças e adolescentes (1, 2, 3).  

O livro de Jeferson Tenório foi publicado em 2020 pela editora Companhia das Letras e ganhou o prêmio Jabuti, maior premiação literária brasileira, em 2021. A obra é descrita como “um romance sobre identidade e as complexas relações raciais, sobre violência e negritude”.

Após a repercussão, as Secretarias da Educação do Paraná, de Goiás e do Mato Grosso do Sul determinaram a recolha dos exemplares. Em contrapartida, a Câmara dos Deputados solicitou um inquérito sobre a determinação do governo paranaense e o autor da obra se pronunciou sobre o episódio, alegando “censura” (1, 2). 

Mas, diferentemente do que as publicações afirmam, o livro não foi “escolhido pelo MEC” (Ministério da Educação) nem incluído no PNLD na gestão de Lula. 

Portaria de 2022

Uma busca no Google por palavras-chave levou a uma nota da Companhia das Letras publicada em 4 de março de 2024. No texto, é informado que a obra foi “inscrita e avaliada pelo Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD 2021) para ser trabalhada no Ensino Médio”.  

É anexado a esse texto uma captura de tela de um documento denominado “Comprovante Escolha PNLD Literário 2021”. A editora também informa que a escolha da obra foi assinada pela mesma diretora que publicou o vídeo viral. 

A mesma busca também resultou em uma nota da Secretaria da Comunicação Social (Secom) do governo federal publicada em 2 de março de 2024, em que é esclarecido que a obra foi incluída no PNLD através de uma portaria publicada em 2022, após ter passado pela seleção de um edital iniciado em 2019 e concluído em 2021. 

Outra busca, dessa vez no Diário Oficial da União, pelo termo “PNLD” com o filtro  “portaria” e o período entre 1º de janeiro de 2022 e 31 de dezembro de 2022 permitiu confirmar e acessar a portaria nº 140 de setembro de 2022, que divulga o resultado do “Edital de Convocação CGPLI nº 3/2019 - PNLD 2021 - Objeto 5 - Obras literárias”

No Anexo I, das “Obras literárias aprovadas”, é possível encontrar o livro “O Avesso da Pele”.

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Captura de tela feita em 8 de março de 2024 da portaria nº 140 de setembro de 2022 (.)

PNLD 

O PNLD é um programa do governo federal que distribui livros didáticos, obras literárias e outros materiais às escolas públicas das redes municipais, estaduais e federais.

De acordo com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que executa o PNLD,  a escolha das obras é feita através de chamamento público com edital, momento em que as editoras produzem e inscrevem os materiais conforme o disposto. 

É feita uma análise pedagógica e física dos livros inscritos e, após essa etapa, uma espécie de “cardápio digital” com as obras aprovadas é disponibilizado para as escolas participantes do programa. 

Claudia Costin, presidente do Instituto Singularidades e ex-diretora global de Educação do Banco Mundial, explica que é através desse cardápio que as escolas escolhem as obras que serão ofertadas aos alunos: “Ele [O Avesso da Pele] entrou no PNLD de 2022, mas quem escolhe são os professores ou as próprias escolas”.

O programa é estabelecido em ciclos de atendimento e com alternância de editais para as etapas de ensino a cada ano. Por exemplo, o edital de um ano é destinado ao ensino fundamental, e o do próximo ano, para o ensino médio. 

Já o ciclo de atendimento para cada etapa escolar é de quatro anos, mudança decretada em 2017. Ainda segundo Claudia Costin, esse ciclo de atendimento corresponde ao período em que as escolas recebem os exemplares dos livros que escolheram e são acompanhadas pelo MEC para pedidos de reposição e complementação:  

“Como as editoras e as gráficas não têm capacidade operacional de imprimir todas as obras ao mesmo tempo e como não é preciso mudar as obras literárias a cada ano, os ciclos são, justamente, voltados ao atendimento de um nível de escolaridade a cada vez”. 

Ou seja, o ciclo em que foi incluído no programa o livro “O Avesso da Pele” ainda estaria vigente. 

“Pela minha compreensão, ainda está vigente. Ele foi distribuído pelas escolas que pediram esse livro. Não vejo qual é o problema que leve ao recolhimento dele. É um livro apropriado para o ensino médio e pedido em alguns vestibulares”, opinou Claudia Costin.  

Uma consulta no Guia Digital, que também é citado na nota da Secom, confirmou que a obra consta do “Acervo 13” do documento, em que se informa que estava disponível para a escolha dos educadores no PNLD de 2021.  

Conteúdo similar também foi verificado por Aos Fatos, Estadão Verifica e Agência Lupa

Referências 

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