Veto de Lula não impede continuidade de centros de referência para pessoas com autismo
- Publicado em 30 de janeiro de 2024 às 20:17
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- Por AFP Brasil
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“Lula vetou a continuidade dos centros de referência para os autistas na LDO. Vamos trabalhar para derrubar o veto”, dizem publicações no Facebook, no X, no Instagram e no Telegram.
A alegação também foi compartilhada por políticos, como os deputados federais Kim Kataguiri (União Brasil) e Paulo Bilynskyj (PL).
O conteúdo passou a circular após Lula aprovar, com vetos, a Lei de Diretrizes Orçamentárias em 2 de janeiro de 2024.
A LDO é a base que serve para a formação da Lei Orçamentária Anual (LOA) — um regimento que garante receitas e despesas fixas do governo para o ano.
Na ocasião, o presidente vetou o parágrafo 4º do artigo 16 que delegaria ao Poder Executivo o compromisso de garantir “a manutenção e o funcionamento de centros de referência para pessoas com transtorno do espectro autista”.
É com base nesse trecho que as publicações afirmam que Lula vetou a continuidade dos centros. No entanto, especialistas em administração pública explicaram ao AFP Checamos que o veto foi justificado e que, por si só, ele não impede o atendimento de pessoas com TEA.
“Insegurança orçamentária”
No texto enviado ao Congresso, o governo justifica esse veto afirmando que o trecho previsto traria “insegurança para a gestão orçamentária”, já que determina a obrigação de garantir a manutenção e o funcionamento de centros de referência para pessoas com transtorno do espectro autista sem detalhar “a natureza desses centros, se são vinculados ou não à estrutura da União”.
“Desta forma, a disposição fixaria competência para o ente na LDO, que poderia resultar na obrigatoriedade de custeio de instituições privadas, e, por conseguinte, interferiria no nível de prioridade na política setorial, o que traria rigidez e insegurança para a gestão orçamentária”, argumenta.
À AFP, o professor de Administração Pública da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Alvaro Martim Guedes concordou com as razões do veto.
“O item, como está na LDO, cria obrigações de pagamentos que ferem a lei. Não se pode fixar despesas sem a devida finalidade. Isso é ilegal”, explicou o professor.
Os motivos também foram corroborados pelo professor de Direito Financeiro e Tributário da Universidade Federal Fluminense (UFF) Paulo Corval:
“À vista da faceta técnica e jurídica, que também exige que a criação de despesa esteja devidamente fundada quanto ao seu custeio, andou bem o governo ao vetar a previsão inserta no meio do trâmite legislativo, com redação aberta e, em princípio, desconectada da política pública de saúde.”
Continuidade dos centros
Na justificativa do veto, o governo também alega que “a decisão não elimina a importante alocação de recursos para atendimento de pessoas com transtorno do espectro autista”, já que esta está determinada no inciso XXVI do artigo 12 da LDO.
O texto indica que “o Projeto de Lei Orçamentária de 2024, a respectiva Lei e os créditos adicionais discriminarão, em categorias de programação específicas”, os valores designados às “despesas com centros especializados no atendimento de pessoas com transtorno do espectro autista”.
Paulo Corval concorda, afirmando que “o gasto público nesta importante ação não está interditado pelo veto”.
Mas, para Felipe César Marques, professor do departamento de Administração Pública da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), a explicação do governo de que o atendimento destas pessoas estaria garantido pelo inciso XXVI do artigo 12 é “parcialmente correta”.
“Me parece que o texto aprovado da LDO, isoladamente, também não garante o funcionamento das instituições. O artigo 12 meramente determina que haja um detalhamento próprio no orçamento para as despesas autorizadas com centros especializados no atendimento de pessoas com transtorno do espectro autista”, assinalou o docente.
O especialista apontou que, no orçamento aprovado para 2024, a determinação está atendida na programação de despesa chamada “Estruturação de unidades de atenção especializada em saúde à pessoa com deficiência e à criança com TEA”, que consta no Volume IV dos Anexos da Lei Orçamentária Anual, com orçamento de quase R$ 100 milhões.
Mas, destacou, a despesa em questão tem “classificação RP 2”, o que significa, segundo a própria LDO, “tratar-se de uma despesa não obrigatória”.
“Por ora, as redes de defesa que atuaram na inserção dessa regra no curso do processo da LDO devem acompanhar e fiscalizar a política pública prometida, pois ela não depende do que foi vetado para se tornar realidade”, concluiu Corval.