É falso que Lula negou ser dono do tríplex, mas pediu R$ 815 mil da OAS por ele

  • Publicado em 4 de janeiro de 2024 às 17:26
  • 6 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
Não é verdade que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha pedido R$ 815 mil da empreiteira OAS (atual Grupo Metha) pelo apartamento conhecido como “tríplex do Guarujá”. Publicações com essa afirmação circulam ao menos desde 2022, e foram compartilhadas mais de 700 vezes nas redes sociais em dezembro de 2023. Os conteúdos alegam que Lula teria exigido o valor na Justiça pelo imóvel, apesar de ter negado ser o dono da unidade. Mas a ação citada se refere a outro imóvel no mesmo edifício do tríplex, cujas cotas foram adquiridas pela ex-primeira-dama Marisa Letícia em 2005.

“Antes Lula dizia que o tríplex não era dele. Agora diz que é e pede 815 mil a OAS na Justiça pelo tríplex”, lê-se em um vídeo compartilhado no X, no Kwai e no Facebook. A publicação circula ao menos desde fevereiro de 2022.

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Captura de tela feita em 3 de janeiro de 2024 de uma publicação no X (.)

O vídeo inicia com um trecho de uma entrevista de Lula de 26 de abril de 2017 ao canal SBT, em que o atual presidente brasileiro diz: “É o caso do apartamento e é o caso da chácara. Se eu não comprei, não é meu. Se eu não paguei, não é meu. Se não tem registro, não é meu. Se não tem documento, não é meu. Se não tem um cheque, não é meu. É isso que eu quero que eles digam. Depois podem dizer o que eu quiser”.

A entrevista de Lula é cortada e inicia, então, um trecho de uma reportagem publicada pela Jovem Pan News em 7 de dezembro de 2021 em seu canal no YouTube. Segundo a matéria, Lula teria “acionado a Justiça para reaver o dinheiro referente a cotas do tríplex do Guarujá”.

Tanto a entrevista quanto a reportagem fazem referência ao caso conhecido como Tríplex do Guarujá, no qual Lula foi acusado de receber propina da construtora OAS no âmbito da Operação Lava Jato. Em troca de sua influência para obter contratos na Petrobras, a acusação alegou que Lula teria recebido um apartamento tríplex no Guarujá, localizado no atual condomínio Solaris — antes denominado Mar Cantábrico.

Porém, é incorreta a informação de que a defesa de Lula pediu R$ 815 mil pelo apartamento tríplex em questão. Na verdade, o processo movido era referente a cotas de um outro apartamento no mesmo edifício. Tais cotas haviam sido adquiridas pela ex-primeira-dama Marisa Letícia, falecida em 2017 e de quem Lula foi inventariante.

Pesquisas por palavras-chave localizaram um texto publicado no site Consultor Jurídico em 6 de dezembro de 2021, um dia antes da reportagem veiculada pela Jovem Pan. Ambos citam o mesmo documento apresentado pela defesa de Lula após uma penhora online apontar que a OAS não continha dinheiro em suas contas bancárias.

Diferentemente da reportagem veiculada pela JP News, porém, o texto não afirma que o processo teria sido movido em função da unidade tríplex pela qual o petista foi condenado.

O artigo do Conjur contém, ainda, um link para a petição citada, e também o número do processo ao qual a peça se refere.

A partir dessas informações, uma pesquisa pelo número do processo no site do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) localizou a ação que, na realidade, apenas pedia o cumprimento de outra sentença já proferida com relação ao inventário de Marisa Letícia, listada na seção “Apensos, entranhados e unificados”.

A sentença desse processo, também disponibilizada pelo TJSP, confirma que o processo não se refere ao tríplex do condomínio Solaris, mas a uma unidade padrão de 82,5 m² com três dormitórios no mesmo empreendimento. O número dessa unidade, conforme descrito na sentença, é o 141. Já o tríplex atribuído a Lula tinha como identificação o número 164-A, com uma área privativa de aproximadamente 215 m².

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Captura de tela feita em 28 de dezembro de 2023 de uma sentença disponibilizada no site do TJSP (.)

Outros meios de comunicação, à época, também noticiaram que o valor de R$ 815 mil cobrado da OAS era referente a cotas do apartamento 141, e não ao tríplex.

O AFP Checamos procurou a Jovem Pan em janeiro de 2024 a respeito da reportagem veiculada, porém não obteve retorno até a publicação desta checagem.

Entenda o caso

Em abril de 2005, Marisa Letícia adquiriu, junto à cooperativa Bancoop, “uma cota-parte para a implantação do empreendimento então denominado Mar Cantábrico”, como citado na sentença. A entrega, inicialmente, estava prevista para 2007, de acordo com a defesa de Lula. Foi reservada à ex-primeira-dama, então, a unidade 141 do empreendimento.

No entanto, a Bancoop passou por dificuldades financeiras e repassou para a OAS o empreendimento, ainda inacabado, que passou a ser chamado de Condomínio Solaris. A defesa alega que houve atraso na entrega do empreendimento e que Marisa Letícia pagou prestações mensais até setembro de 2009, além da entrada de R$ 20 mil.

Ainda segundo os advogados de Lula, quando a construção foi incorporada pela OAS, os cooperados puderam escolher entre solicitar a devolução dos valores já investidos ou adquirir uma unidade da OAS por um valor pré-estabelecido, utilizando como parte do pagamento o aporte pago à Bancoop. Marisa Letícia teria optado pela restituição da quantia investida em 2015, porém não teria recebido o dinheiro, o que motivou a ação judicial em questão.

Em sua decisão, o juiz Adilson Aparecido Rodrigues Cruz concordou parcialmente com as alegações da família Lula, e determinou que a Bancoop e a OAS devolvessem 66,67% da cota-parte do apartamento 141, adquirida por Marisa Letícia.

Dessa forma, a defesa de Lula cobrou da OAS os R$ 815 mil citados nas publicações virais.

Procurada pelo AFP Checamos em 20 de dezembro, a assessoria do presidente também confirmou que o caso em questão era relativo a outra unidade do condomínio, e não ao tríplex.

A acusação envolvendo o tríplex

A Lava Jato acusou Lula de ter recebido um apartamento tríplex no condomínio como forma de propina, tendo pago somente por uma unidade simples. Em 2017, Lula foi condenado a 9 anos e 6 meses de prisão pelo caso, conforme sentença proferida pelo então juiz Sergio Moro.

Porém, em 8 de março de 2021, o ministro Edson Fachin do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a 13ª Vara de Curitiba não possuía “juízo competente” para processar e julgar o ex-presidente nos casos envolvendo o tríplex do Guarujá e o sítio de Atibaia, ambas ações pelas quais Lula havia sido condenado. 

Em 23 de junho de 2021, por sua vez, o STF entendeu que Moro foi parcial ao julgar o ex-mandatário no caso do tríplex no Guarujá. 

Na prática, as decisões anularam a condenação do tríplex e o julgamento foi reiniciado na Justiça Federal do Distrito Federal. Devido à idade de Lula, o caso prescreveu.

Referências

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