É falso que mamografias causem câncer de mama e sejam um “crime” contra mulheres

As mamografias ajudam a detectar precocemente o câncer de mama e são um exame médico padrão em todo o mundo. No entanto, desde 4 de novembro de 2023, publicações visualizadas mais de 8 mil vezes nas redes sociais listam uma série de “razões” pelas quais a mamografia seria o “maior crime organizado contra as mulheres” e causaria mais danos do que benefícios, incluindo a formação de tumores. Mas estas declarações são falsas ou baseadas em distorções, segundo radiologistas e oncologistas consultados pela AFP.

“MAMOGRAFIA É O MAIOR CRIME ORGANIZADO CONTRA MULHERES!!! As mulheres que fazem mamografia provavelmente não têm consciência do mal que fazem a si mesmas”, lê-se em uma publicação no Facebook. A alegação é acompanhada de uma lista sobre os supostos danos causados por este exame, incluindo “crescimento de tumores”.

O conteúdo também é compartilhado no Telegram e no X (antes Twitter), assim como em publicações em francês, polonês e espanhol.

Image
Captura de tela feita em 24 de novembro de 2023 de uma publicação no Facebook ( .)

Abaixo, a verificação de cada uma das afirmações do conteúdo viral.

Falsos positivos não são diagnósticos “incorretos”

O conteúdo viral começa dizendo que “50-60% dos resultados ‘positivos’ [de uma mamografia] são incorretos”. Mas, um estudo realizado na Universidade da Califórnia em Davis, publicado em 25 de março de 2022 na revista médica JAMA Network Open, afirma: “Metade das mulheres apresentam falsos positivos em mamografias após 10 anos de rastreamento anual”. “Rastreamento” é o nome dado ao processo que busca detectar o câncer da mama nas suas fases iniciais, antes do aparecimento de sintomas.

Além disso, o estudo observa que um “falso positivo” refere-se a uma mamografia sinalizada como anormal, mas que não detectou a presença do câncer de mama. Por outro lado, esclarece que 12% das pacientes que fizeram o exame de mamografia foram chamadas para realizar exames adicionais. Dessas revisões, apenas 4,4%, ou 0,5% no total, resultaram em um diagnóstico de câncer.

"Para detectar precocemente o câncer de mama, devemos ter cuidado e investigar quaisquer resultados potencialmente anormais. Portanto, as mulheres não devem preocupar-se se forem feitos novos exames de imagem ou uma biópsia. A grande maioria destes resultados são benignos", explicou Thao-Quyen Ho, pesquisadora da Escola de Medicina da Universidade da Califórnia em Davis e coautora do estudo sobre resultados “falso-positivos” em mamografias, no comunicado de imprensa publicado pela universidade.

A radiologista Paula Gordon, professora clínica do departamento de Radiologia da Universidade da Colúmbia Britânica, disse à AFP em 5 de novembro de 2023 que o termo “falso positivo” não se refere a um diagnóstico incorreto, mas sim a um “alarme falso”. Em outras palavras, é usado quando uma mamografia de rastreamento detecta uma anormalidade que justifica um estudo mais aprofundado.

O peso e a radiação utilizados nos exames são seguros

A segunda alegação nas publicações virais é que “a mama é pressionada com um grande peso” durante a mamografia e o tecido “sensível da glândula de leite é bombardeado por raios radioativos”.

Gordon explicou à AFP que “a compressão é necessária para espalhar o tecido e poder visualizar os cânceres. Além disso, a mama precisa ser afinada para usar menos radiação”. “Isso dura apenas alguns segundos; a compressão é desconfortável, mas não deve ser insuportável”, completou.

Quanto aos “raios radioativos”, mencionados nas publicações, eles não existem, pois a radioatividade é uma propriedade dos átomos e não dos raios. É provável que as mensagens estejam se referindo à radiação ionizante, que é uma forma de radiação eletromagnética poderosa o suficiente para remover elétrons de átomos e moléculas, usada em exames de raios X.

“A dose de radiação do exame mamográfico é desprezível em relação à dose cancerígena e, portanto, os exames de mamografias [realizados] ao longo da vida de acordo com as recomendações de rastreamento não são causadores de câncer de mama”, afirmou à AFP a médica Heloisa Veasey Rodrigues, oncologista clínica no Hospital Isralieta Albert Einstein e Hospital Municipal Vila Santa Catarina.

“O risco de radiação de uma mamografia é limitado a mulheres com menos de 20 anos de idade e, para fins de rastreamento, é insignificante em mulheres com 40 anos de idade ou mais. É semelhante à radiação natural que recebemos quando passamos sete semanas no nível do mar”, alegou Gordon.

De acordo com o Instituto Nacional do Câncer da França, o risco de morte por câncer induzido por radiação está entre uma e 10 em cada 100 mil mulheres que fizeram mamografia a cada dois anos durante 10 anos. No entanto, o número de mortes evitadas com o rastreamento é muito maior do que o risco de morte por câncer induzido por radiação.

“Não há estudos que demonstrem que as doses de radiação possam ter alguma relação com o câncer de mama. Esta informação não é verdadeira e ainda menos com os atuais métodos de mamografia digital”, disse à AFP Victoria Costanzo, oncologista clínica e vice-chefe da Unidade de Câncer de Mama do Instituto Alexander Fleming, em Buenos Aires, na Argentina.

Image
Mulher usa uma fita rosa no Dia Internacional do Câncer de Mama em Caracas, na Venezuela, em 9 de outubro de 2022 ( AFP / Yuri CORTEZ)

Mamografia não estimula crescimento de tumores

A alegação compartilhada nas redes também sugere que a mamografia “estimula o crescimento do tumor e a disseminação de metástases”. Para Gordon, esta afirmação é “absolutamente” falsa.

A oncologista Constanzo disse, por sua vez:

Segundo o Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos, há estudos que comprovam que “o uso de mamografias de rastreamento reduz mortes por câncer de mama em mulheres entre 40 e 74 anos com risco médio de câncer de mama”. Além disso, esclarece que “também há evidências de que o benefício é maior para mulheres entre 50 e 69 anos”.

“A carga de doenças causadas pelo câncer de mama pode ser reduzida identificando e tratando os cânceres precocemente, antes que causem sintomas”, diz o site do instituto.

A AFP não encontrou nenhum estudo que estabelecesse que “mulheres completamente saudáveis desenvolveram câncer de mama em um grande número de casos após exames mamográficos”, como afirmam as publicações virais.

Suíça não proibiu mamografias

“A Suíça é o primeiro país do mundo a proibir a mamografia”, lê-se nas publicações compartilhadas. Mas esta afirmação é falsa.

A AFP não encontrou nenhum registro desta suposta medida. Além disso, um porta-voz do Escritório Federal Suíço de Saúde Pública disse à AFP em 2 de novembro de 2023 que “a mamografia não é proibida na Suíça” e que o exame “é coberto pelo seguro saúde”.

Especialistas recomendam revisões periódicas

“Mulheres com 40 anos ou mais devem fazer mamografias uma vez por ano. É um exame seguro e, embora dolorido, é insubstituível”, explicou a oncologista Costanzo.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda programas organizados de rastreamento mamográfico em mulheres entre 50 e 69 anos, com exames a cada dois anos. Para as mulheres na faixa dos 40 aos 49 anos e entre 70 e 75 anos, a OMS também sugere programas organizados de rastreamento mamográfico, desde que sejam realizados em um contexto de pesquisa, monitoramento e avaliação rigoroso. De acordo com o órgão, os resultados do acesso à mamografia sugerem uma redução da mortalidade por câncer de mama de aproximadamente 20% após 11 anos de acompanhamento.

Referências

Há alguma informação que você gostaria que o serviço de checagem da AFP no Brasil verificasse?

Entre em contato conosco