O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, durante coletiva de imprensa em Brasília, em 24 de julho de 2023 ( AFP / Sergio Lima)

Votos de ministros da Suprema Corte dos EUA não são secretos, ao contrário do sugerido por Dino

  • Publicado em 8 de setembro de 2023 às 22:04
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  • Por AFP Brasil
No último dia 5 de setembro, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), afirmou que na Suprema Corte dos Estados Unidos o público não conhece o posicionamento individual dos juízes. A declaração foi dada após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defender o sigilo dos votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para evitar “animosidade”. Mas, segundo especialistas, apenas o processo de deliberação da corte é privado nos EUA. Quando o resultado é publicado, é possível ver quais juízes assinaram a decisão principal, bem como pareceres divergentes.

“Ela [Suprema Corte dos Estados Unidos] delibera a partir de votos individuais e é comunicada a posição da corte e não a posição individual desse ou daquele ‘Justice’ nos Estados Unidos”, disse o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, em entrevista no último dia 5 de setembro.

Na ocasião, Dino foi questionado sobre uma fala do presidente Lula no programa governamental “Conversa com o Presidente”. O mandatário defendeu que, para evitar “animosidade” após os julgamentos, a sociedade não deveria saber como votou cada ministro do Supremo.

A declaração foi feita após setores da esquerda criticarem algumas decisões do ministro Cristiano Zanin, recentemente indicado por Lula ao STF.

Mas, embora existam diferenças entre o sistema adotado no Brasil e nos Estados Unidos, é possível saber, sim, o posicionamento individual dos juízes da Suprema Corte norte-americana, ao contrário do sugerido por Dino.

Como vota o Supremo dos EUA?

Diferentemente do Brasil, o processo de deliberação da Suprema Corte dos Estados Unidos é privado. Além disso, os votos costumam ser redigidos em conjunto. Porém, a decisão final é sempre divulgada ao público e inclui“o parecer majoritário ou principal, bem como quaisquer opiniões concordantes ou divergentes”.

Segundo Rubens Glezer, professor de Direito da Fundação Getulio Vargas, no modelo norte-americano, os juízes deliberam para chegar a um consenso sobre o voto. Porém, isso não quer dizer que eles sejam secretos.

“Eles deliberam como vai ser e escrevem juntos, por consenso, o posicionamento do tribunal. Digamos que uma parte não concorda, eles se juntam e redigem a posição. E pode ter outros que concordam com o resultado, mas por outros fundamentos. Alguns pareceres são individuais, inclusive. Então, a posição dos ministros é sempre conhecida”, explicou Glezer.

A professora norte-americana de Direito Constitucional da Universidade de Akron, em Ohio, Tracy Thomas, reiterou ao AFP Checamos que, apesar da deliberação não ser aberta ao público, é possível conhecer o posicionamento de cada juiz.

“Quando os nove ministros se sentam à mesa de conferência e revelam como estão inclinados a votar um parecer, esses votos não são revelados ao público. Durante a deliberação decide-se quem receberá a tarefa de relatar a posição da maioria. (...) Quando o parecer é publicado, são indicados os nomes dos ministros para cada parecer. Então, é possível ver quem assinou o parecer majoritário, assim como qualquer dissidência ou concordância.”

No processo que decidiu a inconstitucionalidade das ações afirmativas em universidades, por exemplo, o ministro John Roberts relatou o parecer da maioria, porém os votos das juízas Sonia Sotomayor, Ketanji Jackson e Elena Kagan, que discordaram do resultado, também foram apresentados em conjunto.

Além disso, foram igualmente apresentados os pareceres que concordavam com a posição final, embora com outros argumentos.

Os votos podem ser conferidos no parecer final disponibilizado pela Suprema Corte. O posicionamento de cada ministro também foi divulgado pela imprensa norte-americana.

Thomas fez uma ressalva, no entanto, de que a Suprema Corte pode emitir decisões “per curiam” (pelo tribunal, em tradução livre) não assinadas. Nesse caso, o voto “é unânime, mas não vemos quem foi o autor do parecer”.

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