Conanda não aprovou estupro de vulnerável; resolução sobre visita íntima foi distorcida

  • Este artigo tem mais de um ano
  • Publicado em 30 de maio de 2023 às 20:14
  • 4 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) não “institucionalizou o estupro de vulnerável” ao autorizar a visita íntima a adolescentes de 12 a 21 anos que cumprem medidas socioeducativas em regime fechado, como alega um vídeo compartilhado nas redes sociais. A sequência, que circula desde 6 de fevereiro de 2023 e já foi visualizada milhares de vezes, contém informações distorcidas sobre uma decisão tomada pelo órgão em dezembro de 2020: nela, é reiterado o direito de adolescentes casados, ou em união estável, a terem visitas íntimas.

“O MUNDO ENLOUQUECEU. CNBB E OAB PROMOVENDO ORGIA!!”, diz uma das publicações compartilhadas no Facebook, no Twitter e no TikTok.

O conteúdo também foi encaminhado ao WhatsApp do AFP Checamos, para onde os usuários podem enviar alegações vistas em redes sociais, se duvidarem de sua veracidade.

No vídeo, o ex-deputado federal Coronel Tadeu (PL) afirma que o Conanda havia aprovado uma portaria que permitiria “visita íntima a crianças e adolescentes de 12 a 21 anos” dentro das unidades socioeducativas.

O ex-parlamentar ainda indica que a decisão teria tido o apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e que a medida tornaria legal o estupro de vulneráveis.

Image
Captura de tela feita em 25 de maio de 2023 de uma publicação no Facebook ( .)

A sequência foi publicada originalmente nas redes (1, 2) de Coronel Tadeu em 17 de dezembro de 2020, mas voltou a ser difundida em fevereiro de 2023. O deputado, no entanto, distorce as resoluções do Conanda, principal órgão do sistema de garantias de direitos de indivíduos entre 12 e 21 anos, divulgadas à época.

Em 17 de dezembro de 2020, com uma vitória contra o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), foi aprovada uma resolução autorizando a visita íntima para adolescentes no sistema socioeducativo fechado: “Deverá ser garantido o direito à convivência íntima para as adolescentes, independentemente de sua orientação ou identidade e expressão de gênero, nos termos do artigo 68 da Lei 12.594, de 18 de janeiro de 2012”.

Essa lei tinha por objetivo instituir o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), que “regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional”. O artigo 68, por sua vez, determina que apenas adolescentes casados, ou que vivam comprovadamente em união estável, têm o direito à visita íntima.

Ainda segundo a legislação brasileira, somente a partir dos 16 anos as pessoas já estão aptas “psíquica e sexualmente” para casar. Elas podem contrair matrimônio, apenas, se tiverem a autorização dos pais, ou se forem jovens emancipados, enquanto não atingirem “a maioridade civil”.

Ou seja, a nova regra sobre visitas íntimas não valeria para todos os internos nem para menores de 16 anos que, por lei, ainda não podem casar ou ter uma união estável.

O que diz a resolução

À época, Damares Alves, então ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, foi contra a regulamentação: segundo ela, essa seria a liberação para que ocorresse estupro de vulneráveis, já que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) considera adolescente a pessoa a partir dos 12 anos.

No entanto a “institucionalização do estupro de vulnerável” é um entendimento distorcido da decisão.

Em entrevista ao AFP Checamos em 29 de maio de 2023, o advogado criminalista João Arantes esclareceu que, segundo a jurisprudência dos tribunais, as relações sexuais com menores de 14 anos são consideradas crime independentemente das circunstâncias. Ou seja, a resolução do Conanda não poderia estar acima da lei. Sendo assim, adolescentes entre 12 e 14 anos não seriam incluídos na decisão por não poderem manter relações sexuais — consensuais ou não — com qualquer pessoa.

Aqueles com 15 anos também estariam excluídos porque não teriam atingido a idade núbil para contrair um casamento legal.

Quanto aos adolescentes de 16 a 18 anos, Arantes explicou que “a visita íntima seria permitida apenas para os maridos/esposas ou companheiros/companheiras”, isto é, “alguém com quem aquele adolescente já mantém uma relação amorosa, o que, a princípio, excluiria a hipótese de que a relação sexual entre os dois ou as duas não seja consensual e possa configurar o crime de estupro”.

O advogado adiciona, também, que há uma série de restrições e requisitos para que adolescentes entre 16 e 18 anos possam casar, ou consigam comprovar uma união estável.

Em dezembro de 2020, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) publicou uma nota em que esclarece seu envolvimento com a resolução do Conanda.

Há um projeto em tramitação na Câmara dos Deputados para, entre outros pontos, sustar a resolução de visitas íntimas do Conanda de dezembro de 2020. O desígnio está aguardando um parecer do relator na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família para que seja aprovado, ou não.

Referências

Há alguma informação que você gostaria que o serviço de checagem da AFP no Brasil verificasse?

Entre em contato conosco