Projeto de lei de política nacional por 36 anos foi proposto por gestão de Bolsonaro, não pelo PT
- Este artigo tem mais de um ano
- Publicado em 11 de janeiro de 2023 às 14:35
- 4 minutos de leitura
- Por AFP Brasil
Copyright © AFP 2017-2025. Qualquer uso comercial deste conteúdo requer uma assinatura. Clique aqui para saber mais.
“Já no seu primeiro dia de governo, o PT (...) apresentou à Câmara dos Deputados o PL 1/2023, que ‘Institui a Política Nacional de Longo Prazo’ (...). Estabelece políticas que duram 36 ANOS, o mesmo ‘modos operandi’ utilizado para manter no poder Stalin, Mao Tsé-Tung e outros ditadores comunistas (...) Quase uma nova Constituição Socialista!”, diz uma das publicações compartilhadas no Facebook.
Versões semelhantes da alegação circulam também no Instagram, no Twitter, no Telegram e no Kwai.
Algumas das alegações são acompanhadas por um vídeo no qual uma mulher começa dizendo: “O Lula já protocolou o projeto de lei número 1/2023 lá pro Congresso, que fala da Política Nacional de Longo Prazo. (...) Ele quer simplesmente criar uma lei para colocar políticas que tenham a duração de 36 anos. Só que não é uma lei qualquer. É uma lei com uma estrutura de uma nova Constituição, obviamente com várias ideias socialistas escondidas”.
Sobreposto ao vídeo há, ainda, a pergunta: “Lula quer criar uma nova Constituição?”.
Proposta de Bolsonaro, e não de Lula
O PL 1/2023 de fato tem como objetivo instituir a “Política Nacional de Longo Prazo”, ou PNLP. O texto da proposta cita objetivos que devem ser alcançados nos próximos 36 anos, como citado nas publicações virais. “A PNLP afirma a visão de longo prazo do país (...) indicando os objetivos nacionais que a República Federativa do Brasil deseja alcançar em 36 anos”, lê-se na seção “Anexo” do documento.
Entretanto, a proposta foi enviada ao Congresso Nacional não por Lula, e sim pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, como mostra a mensagem 759/2023, do Poder Executivo, disponível na ficha de tramitação do PL 1/2023 no site da Câmara.
A mensagem é assinada por Jair Messias Bolsonaro e tem como data 29 de dezembro de 2022. Lula assumiu oficialmente a presidência em 1º de janeiro de 2023.
Além disso, pesquisas pelo termo “Política Nacional de Longo Prazo” no Google levaram a uma reportagem de outubro de 2022 da revista piauí sobre o tema, no qual é explicado que Bolsonaro e “aliados militares” preparavam a proposta com o objetivo de enviá-la ao Congresso como um projeto de lei.
A reportagem da piauí teve acesso ao documento, de 65 páginas, antes que fosse enviado ao Poder Legislativo. O texto é uma versão mais longa do PL 1/2023, e traz, por exemplo, a mesma introdução. A proposta divulgada pela revista tem como local e data “Brasília, agosto de 2022” e, logo em seguida, contém os nomes de Jair Messias Bolsonaro e do ex-vice-presidente Antônio Hamilton Martins Mourão.
Procurada pelo AFP Checamos, a assessoria do PT disse que o PL 1/2023 “é um projeto do [ex-presidente] Bolsonaro. Como a Câmara estava fechada, no recesso, o PL só foi numerado este ano [2023]”.
Nova Constituição?
Apesar de estabelecer metas de longo prazo, o projeto de lei em questão tampouco se assemelha a uma “nova Constituição”, como alegam as publicações.
O PL 1/2023 “é um projeto de lei ordinária e, como tal, caso ele venha a se tornar uma lei, o Parlamento poderia depois revogar ou alterar seus pontos”, explicou ao AFP Checamos Francisco Zardo, da Dotti Advogados e conselheiro estadual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Paraná, em 6 de janeiro de 2023, ressaltando que o próprio texto prevê que a Política Nacional de Longo Prazo seja revista a cada 12 anos.
Para mudar a Constituição, é necessário que o Congresso aprove uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), e não uma lei ordinária. “E mesmo uma PEC não é imutável”, detalhou Zardo, explicando que as chamadas cláusulas pétreas da Constituição são as que não são passíveis de alteração.
Não há “nenhuma semelhança” entre o PL 1/2023 e uma nova Constituição, ressaltou o advogado, pontuando que a aprovação de uma nova Constituição implicaria na convocação de uma assembleia constituinte.
“Esse Plano Estratégico trata de temas absolutamente genéricos, [enquanto] nossa Constituição trata dos direitos fundamentais, trata da organização do Poder Legislativo, Poder Executivo, Poder Judiciário, indígenas, adolescentes, crianças, Previdência, orçamento, administração pública... Isso aqui [o projeto de lei] não trata de nada disso”, finalizou.
Já Carlos Fico, historiador e professor de História do Brasil na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acrescentou que, na história brasileira, o único documento semelhante ao plano proposto pelo PL 1/2023 foi o “Conceito Estratégico Nacional”, de 1968, elaborado durante a ditadura militar.
“Houve documentos que registravam iniciativas de planejamento econômico, antes e durante a ditadura, mas tinham perfil técnico, não se parecendo com este, que tem viés ideológico explícito”, disse.
O AFP Checamos também procurou a Presidência da República, mas não obteve retorno até a publicação desta checagem.