O ex-conselheiro político francês Jacques Attali não escreveu que será preciso “reduzir a população”

Uma citação atribuída ao ex-conselheiro político francês Jacques Attali em que menciona a eutanásia para “reduzir a população” circula desde o final de abril de 2021 nas redes sociais, onde foi compartilhada mais de 380 vezes. De acordo com as postagens, o parágrafo aparece em um livro de Attali, que teria sido escrito em 1981 e publicado em 2006. À AFP, Attali afirmou que o texto é  “totalmente inventado”. Nos últimos anos, o escritor foi acusado de promover a eutanásia para pessoas com mais de 65 anos e por esse motivo processou uma revista por difamação, ganhando o caso.

Attali “escreveu isso em 1981”, começam algumas publicações, que terminam, entretanto, com outra data: “Este trecho foi copiado do seu livro ‘Breve história do futuro’, - publicado na França em 2006”.

De acordo com o longo parágrafo compartilhado pelos usuários, Attali escreveu: “No futuro será uma questão de encontrar uma forma de reduzir a população. Vamos começar pelos velhos, porque depois de ter mais de 60-65 anos, o homem vive mais do que produz e custa caro à sociedade. Os fracos e depois os inúteis que não contribuem com nada para a sociedade porque haverá cada vez mais, e principalmente, finalmente, os estúpidos”.

O texto atribuído a Attali fala da eutanásia como “instrumento essencial das nossas sociedades futuras” e de uma “seleção dos idiotas” que “irão sozinhos para o matadouro”. Um parágrafo semelhante circulou no Twitter e em sites (1), assim como em outros idiomas, como o francês e o espanhol.

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Captura de tela feita em 12 de maio de 2021 de uma publicação no Facebook

Jacques Attali é economista e, entre outros cargos, foi assessor do presidente francês François Mitterrand (1981-1995). Alguns usuários relacionam o trecho atribuído a Attali com a pandemia de coronavírus.

Segundo as publicações viralizadas, o texto foi “escrito em 1981” e “publicado na França em 2006”

A equipe de checagem da AFP não encontrou uma combinação semelhante de textos publicados e assinados por Attali, mas sim dois livros diferentes. Há o “L’Avenir de la vie”, de Michel Salomon, lançado nos anos 1980 e no qual o autor entrevista, entre outros, Attali. Enquanto em 2006 foi publicado “Uma breve história do futuro”, obra mencionada em várias publicações virais e cujo autor é, de fato, Jacques Attali.

Um futuro, o de 1981

A equipe de checagem da AFP não encontrou o trecho mencionado no livro dos anos 1980. A editora da obra na França, Seghers, enviou uma cópia da entrevista com Jacques Attali presente no livro, no qual não aparece o texto viral.

Os trechos já foram analisados pela equipe de verificação do jornal francês Libération - Checknews - devido a declarações de Attali que foram descontextualizadas, nas quais se referia à duração da vida e à eutanásia.

“Este texto é totalmente inventado”, disse Attali à AFP em abril de 2021. “Não se aproxima em nada do texto inicial. É como dizer que escrevi ‘Mein Kampf’ [‘Minha luta’, o livro de Adolf Hitler], assinalou o economista.

No livro de entrevistas de Salomon, Jacques Attali respondeu à pergunta: “É possível e desejável viver 120 anos?”. Em sua resposta, as únicas partes semelhantes ao texto viral são duas frases: “Mas assim que passamos dos 60/65 anos, o homem vive mais tempo do que produz e então custa mais à sociedade” e “Do ponto de vista da sociedade, é preferível que a máquina humana pare abruptamente ao invés de se deteriorar gradualmente”.

Depois, Attali explica seu ponto de vista sobre como a sociedade lida com uma maior expectativa de vida e o lugar que os idosos ocupam.

Sobre isso, disse que, “na própria lógica da sociedade industrial, o objetivo não será prolongar a expectativa de vida, mas fazer com que em um determinado período o homem viva o melhor possível, mas de tal forma que as despesas de saúde sejam as mais baixas possíveis em termos de custos coletivos”.

No livro, o economista conclui, em tradução livre: “A eutanásia será um dos instrumentos essenciais de nossas futuras sociedades em todos os casos. Em uma lógica socialista, para começar, o problema é o seguinte: a lógica socialista é a liberdade e a liberdade fundamental é o suicídio; consequentemente, o direito ao suicídio direto ou indireto é um valor absoluto nesse tipo de sociedade. Em uma sociedade capitalista, as máquinas de matar, as próteses que tornarão possível eliminar a vida quando ela for insuportável demais ou economicamente muito cara, aparecerão e serão uma prática comum. Acredito, portanto, que a eutanásia, seja como um valor de liberdade ou como uma mercadoria, será uma das regras da sociedade do futuro”.

Em sua resposta à AFP, Attali lamentou: “Como sempre, sou acusado de desejar algo que eu apenas prevejo e denuncio”. A citação atribuída a ele “é uma extensão delirante” de uma falsa menção semelhante que Attali denunciou na época, ganhando o processo por difamação.

As declarações de Attali sobre uma citação similar à que viralizou se referem a acusações contra ele por considerar que promovia a eutanásia a partir de 65 anos. O Tribunal de Apelação de Paris condenou por difamação, em 1985, uma revista médica que havia afirmado que Attali era “a favor da eutanásia para os idosos”.

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Captura de tela feita em 6 de maio de 2021 de um texto da AFP datado de 1985

E o futuro de 2006

Com relação ao livro de 2006, “Uma breve história do futuro”, mencionado pelos usuários, a AFP não encontrou nenhum fragmento semelhante nos trechos disponíveis na internet, nem em resenhas, textos de opinião ou resumos.

Attali insistiu em 2014 (1), 2017 e 2018 que não fez apologia alguma da eutanásia e que ganhou as ações judiciais movidas a esse respeito por difamação.

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