É falso que jornalista disse que iria visitar a filha de Bolsonaro na cadeia antes de presidente insultá-lo
- Este artigo tem mais de um ano
- Publicado em 25 de agosto de 2020 às 21:09
- 4 minutos de leitura
- Por AFP Brasil
Copyright © AFP 2017-2024. Qualquer uso comercial deste conteúdo requer uma assinatura. Clique aqui para saber mais.
“URGENTE! Como sempre, a imprensa mentiu e tirou o vídeo do contexto Bolsonaro respondeu a quem o agrediu com a frase: ‘vamos visitar sua filha na cadeia’, no que o presidente foi até muito calmo, para tamanha agressão!”, diz uma das publicações compartilhadas centenas de vezes no Twitter (1, 2, 3), Facebook (1, 2, 3), Instagram (1, 2, 3) e YouTube em menos de 24 horas.
A alegação acompanha um vídeo de 8 segundos no qual o presidente Jair Bolsonaro anda junto a um grupo de pessoas. Logo no início, um homem diz algo, difícil de ser identificado devido à baixa qualidade do áudio.
A legenda da gravação indica se tratar da seguinte frase: “Vamo visita sua filha na cadeia agora”. Em seguida, o presidente diz: “Minha vontade é encher tua boca na porrada, tá?”.
Esta versão da história foi publicada também em diversos artigos, alguns já deletados.
No mesmo dia, o próprio presidente e seu filho Carlos Bolsonaro, vereador no Rio de Janeiro, compartilharam um vídeo do incidente – sem a legenda falsa, mas com a descrição: “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”, em referência a um versículo bíblico utilizado pelo presidente em contexto eleitoral.
Agressão noticiada pela imprensa
A alegação viralizada vai contra o noticiado pela imprensa no último dia 23 de agosto. Nesta data, Bolsonaro estava fazendo uma visita à Catedral Metropolitana de Brasília quando foi interpelado por um grupo de repórteres.
Segundo amplamente reportado (1, 2, 3), a frase “minha vontade é encher tua boca na porrada, tá?”, teria sido uma resposta a um profissional do jornal O Globo, que questionou o presidente sobre repasses de R$ 89 mil feitos por Fabrício Queiroz, ex-assessor de outro de seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro, à primeira-dama Michelle Bolsonaro.
Os documentos fazem parte de uma investigação sobre a suposta prática de rachadinha envolvendo o filho mais velho do presidente.
O assunto foi um dos mais comentados no Twitter no dia. Usuários postaram a pergunta feita pelo repórter como forma de pressionar o presidente e se posicionar de forma contrária à agressão verbal.
Legenda falsa
Uma comparação entre o vídeo compartilhado nas redes sociais e o áudio do momento da agressão, publicado pelo jornal O Globo, permite concluir que a frase “vamo visita sua filha na cadeia agora” não foi dita.
Neste momento, na verdade, é possível ouvir uma terceira pessoa dizendo: “Vamos visitar nossa feirinha da catedral, presidente”, em uma referência à Catedral Metropolitana de Brasília, onde eles estavam.
Após Bolsonaro dizer que tinha vontade de encher a boca de alguém de “porrada”, o homem continua, pedindo “vamos visitar nossa feirinha, presidente”, e reforçando “seria importante aqui pra gente”.
Em seguida, outra pessoa presente no local pergunta se o presidente havia ameaçado a imprensa. No áudio, não é possível ouvir qualquer resposta de Bolsonaro.
Fotos feitas pela AFP neste dia efetivamente mostram Bolsonaro vendo artefatos que parecem estar sendo vendidos em uma feira em frente à Catedral Metropolitana de Brasília.
Procurado pelo AFP Checamos, Sérgio Lima, o fotógrafo da AFP que acompanhou Bolsonaro no último domingo e que presenciou o momento da fala sobre encher alguém de “porrada”, reiterou que não ouviu qualquer frase semelhante à “vamo visita sua filha na cadeia agora”.
“Não ouvi nada parecido com isso. Um dos vendedores pediu para que ele visitasse a feirinha. E ele realmente foi”, disse Lima ao Checamos.
O fotógrafo ainda afirmou que ficou claro, no momento, que a frase de Bolsonaro foi direcionada ao jornalista após a pergunta sobre os repasses de Fabrício Queiroz à primeira-dama.
Ofensas à imprensa
Essa não é a primeira vez que o presidente Jair Bolsonaro ofende jornalistas.
Um dia após protagonizar o vídeo checado neste artigo, Bolsonaro se referiu aos profissionais da imprensa como “bundões”.
No início deste ano, o presidente já havia insinuado que a repórter Patrícia Campos Mello, do jornal Folha de S.Paulo, conseguiu informações em troca de sexo. “Ela queria um furo. Ela queria dar o furo a qualquer preço contra mim”, disse Bolsonaro em fevereiro deste ano.
Após a fala do último domingo, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) condenou o que descreveu como “mais um episódio violento protagonizado por Jair Bolsonaro”. “Um presidente ameaçar ou agredir fisicamente um jornalista é próprio de ditaduras, não de democracias”, disse a organização.
Em resumo, é falso que a fala de Bolsonaro sobre querer “encher” um jornalista de “porrada” tenha sido uma reação a um convite do repórter para visitar a filha do presidente na cadeia. Uma análise do áudio do momento, com qualidade superior, permite concluir esta última frase não foi dita, o que foi reiterado por um fotógrafo da AFP presente no local.
Esse texto faz parte do Projeto Comprova. Participaram jornalistas da Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo e do portal GaúchaZH. O material foi adaptado por AFP Checamos.