Não há evidências de que a Black Friday tenha relação com o tráfico de pessoas escravizadas
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- Publicado em 23 de novembro de 2021 às 20:23
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- Por Tendai DUBE, AFP Brasil
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“A VERDADEIRA HISTÓRIA DA BLACK FRIDAY...”, dizem publicações que circulam no Facebook (1, 2, 3, 4) e no Twitter (1, 2), segundo as quais a tradição data da época do comércio de pessoas escravizadas na América, quando “durante a sexta-feira negra, os escravos foram vendidos com desconto para impulsionar a economia”.
“Daí black, (escravos eram de origem africana), friday, (sexta-feira a data da venda, é nos finais de Novembro)”, garantem as postagens.
Publicações semelhantes também circulam em espanhol, inglês, italiano e romeno.
As imagens
Uma busca reversa no Google revelou que a imagem viralizada é a capa do livro“Every mother’s son is guilty”, do escritor australiano Chris Owen. O autor explicou à AFP que a imagem retrata aborígenes presos em Wyndham, na Austrália Ocidental.
A introdução do livro inclui uma descrição detalhada da capa, explicando que a imagem foi encontrada na Biblioteca Estadual de Victoria, Melbourne, e que o autor teve que obter permissão dos proprietários para utilizá-la.
“A foto, feita com uma ‘lanterna mágica’ [aparato ótico precursor do cinematógrafo], foi depois colorida e invertida. Foi publicada originalmente em 18 de fevereiro de 1905, na página 24 do periódico semanal Western Mail, da Austrália Ocidental. Os homens foram presos, por dois ou três anos, por supostamente matar bois”, detalhou Owen.
A foto, com o correspondente crédito ao livro, também foi publicada em um grupo australiano no Facebook em abril de 2016.
Consultado, Owen explicou que não encontrou nenhuma ligação da fotografia com a Black Friday. “Não faço nenhuma menção à Black Friday e nunca a vi relacionada aos aborígenes. Menciono bastante o termo ‘Blackbirding’, que era o nome dado aos homens que capturavam aborígenes e os usavam para mergulhar em busca de pérolas. Isso era escravidão”, explicou à AFP.
Mas qual é a origem do termo?
Owen acrescentou que a Black Friday tem relação com a tradição norte-americana do Dia de Ação de Graças, celebrado todos os anos na quarta quinta-feira do mês de novembro, e com o capitalismo. Para o escritor, sua associação com a escravidão africana é uma lenda urbana, já que o termo surgiu muito depois da abolição dessa prática.
O professor e historiador sul-africano Albert Grundlingh, da Universidade de Stellenbosch, também assegura que a Black Friday tem origem nos Estados Unidos.
“Basicamente foi uma tentativa dos norte-americanos de manter seus lucros depois da celebração do Dia de Ação de Graças. De passá-los ao ‘preto’ [expressão utilizada em inglês quando alguém tem ganhos positivos, o correspondente a ‘estar no azul’ em português] saindo do ‘vermelho’. Assim, tem mais a ver com suas contas bancárias do que com qualquer outra coisa”, explicou.
Outra teoria, publicada pelo site de verificações Snopes, data de 1951 e garante que o dia de descontos é denominado assim devido à alta taxa de ausência entre os trabalhadores nessa data, que faltavam no expediente alegando doenças depois do Dia de Ação de Graças. Isso teria feito com que muitos empregadores dessem o dia de folga a seus funcionários e que comerciantes dessem início à temporada de vendas natalina, tentando conquistar os consumidores com descontos.
Por outro lado, uma nota da American Dialect Society (Sociedade Norte-Americana de Dialetos) afirma que o termo Black Friday foi inventado em 1966 pela polícia da cidade da Filadélfia, estado da Pensilvânia, com uma conotação negativa devido ao grande congestionamento de carros e pedestres que saíam às ruas nesse dia. Segundo a explicação, esta teria sido uma tentativa, malsucedida, de desencorajar os consumidores a fazerem compras de forma massiva nessa data.