É enganosa a alegação de que o STJ decidiu que o porte de arma para traficantes não é crime

  • Publicado em 6 de dezembro de 2024 às 22:15
  • 3 minutos de leitura
  • Por AFP Brasil
Em novembro de 2024, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou o entendimento de que o uso de arma para a prática de tráfico de drogas não deve levar a uma condenação pelo crime de posse ou porte ilegal, mas ao aumento da pena do crime de tráfico. Desde então, publicações com mais de 20 mil interações nas redes sociais alegam que a corte teria considerado que o porte de arma não é crime. Contudo, a decisão do tribunal é uma forma de evitar a duplicidade de punição, e não de absolver o réu.

Portar uma arma ilegalmente para… Proteger sua família: crime. Traficar drogas: NÃO é crime. Parece piada, mas é só o Judiciário brasileiro”, lê-se em uma publicação feita pelo Partido Novo. Alegações semelhantes circulam no X, no Facebook, no Kwai, no Instagram e no TikTok.

As publicações compartilham capturas de tela de artigos dos sites Conjur e JuriNews que repercutem um entendimento fixado pelo STJ a respeito do porte ou posse ilegal da arma associado ao tráfico de drogas.

Image
Captura de tela feita em 5 de dezembro de 2024 de uma publicação no Instagram (.)

A alegação de que o STJ teria permitido o uso de armas para o tráfico circula desde 2021 e já foi verificada pela AFP em 2023. Na época, as publicações distorciam uma decisão sobre um caso de tráfico de drogas em que uma arma foi apreendida.

Entretanto, o tribunal não liberou o uso de armas para traficantes.

Entenda a decisão

Em 27 de novembro de 2024, em votação unânime, o STJ fixou o entendimento de que o uso de arma de fogo para a prática de tráfico de drogas não deve levar a uma condenação pelo crime de posse ou porte ilegal, mas ao aumento da pena do crime de tráfico.

Nesse caso, ocorre a absorção ou consunção, ou seja, a posse ou o porte ilegal da arma é absorvido pelo crime de tráfico de drogas.

A arma de fogo, nesse contexto, não é considerada um delito autônomo, mas uma ferramenta essencial para a execução do crime principal, ou seja, o tráfico. Dessa forma, a conduta referente à arma de fogo é absorvida pela prática do outro delito, evitando, assim, a duplicidade de punição”, diz um informativo da corte sobre a decisão.

Em entrevista à AFP em 2023, a advogada criminalista e professora da FGV Direito Rio Maíra Fernandes explicou que a absorção “se aplica quando um mesmo fato pode ser abarcado por mais de um tipo penal”: “Se um crime é meio para realização de outro crime-fim, não pode ser o sujeito que os praticou responsabilizado por ambos os crimes”.

A advogada apontou que esse não é o único caso em que pode ocorrer a absorção. “Aplica-se a consunção quando um sujeito invade uma casa para realizar um furto. Nesse caso, ele não responderá por dois delitos, invasão de domicílio e furto. Ele vai responder apenas pelo crime de furto em sua forma qualificada”, exemplificou.

Ainda em 2023, o STJ reiterou ao Checamos que esse entendimento é adotado desde 2012 e que “não se trata de absolvição de crime”.

O crime de porte ou posse ilegal de arma pode ser absorvido pelo crime de tráfico, se ficar provado que o primeiro está relacionado diretamente à prática do segundo. Se não houver absorção, o acusado poderá ser condenado pelos dois crimes separadamente, com a soma das penas”, informou.

Referências

Há alguma informação que você gostaria que o serviço de checagem da AFP no Brasil verificasse?

Entre em contato conosco