
Lula não vendeu o solo da Amazônia para uma empresa norueguesa, pois ele pertence à União
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- Publicado em 6 de agosto de 2021 às 22:13
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- Por AFP Brasil
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“Mineradora da Noruega destruindo o meio ambiente na Amazônia. Lula vendeu o solo para a Noruega em documento secreto. Ela arrecada 2 bilhoes ao ano e devolve 180 milhoes para consertar o estrago que ela mesmo faz na Amazônia...Essa verdade ninguém mostra…”, indica a legenda de uma das publicações compartilhadas no Facebook (1, 2), no Instagram (1, 2) e no Twitter (1, 2) ao longo dos anos.
As postagens são acompanhadas pela imagem de um depósito de rejeitos de uma empresa norueguesa, como assinalado na descrição. Neste caso, trata-se da companhia Hydro Alunorte, da qual o governo da Noruega é dono de 34,26% das ações, além de outros 50 mil acionistas individuais e institucionais, localizada em Barcarena, no Pará.
Entretanto, a afirmação de que o solo da Amazônia teria sido vendido pelo ex-presidente Lula não é verdadeira, já que a Constituição brasileira especifica que os recursos minerais pertencem à União.

A Hydro, na realidade, comprou em 2011 a empresa brasileira Mineração Paragominas S.A, que tem permissão do governo para extrair minério da mina de bauxita Paragominas, também no Pará. Até então, a empresa era controlada pela Vale.
A Vale, por sua vez, vendeu também em 2011 à companhia norueguesa sua parte na refinaria Alunorte e na Albras, empresa que produz alumínio.
Segundo o artigo 20 da Constituição, os recursos minerais do país, inclusive os do subsolo, pertencem à União. O Serviço Geológico do Brasil explica em seu site que o proprietário do solo (terreno, fazenda, sítio), também chamado de superficiário, não é dono do subsolo.
Assim, mesmo que um fazendeiro ou uma empresa encontre minério em seu terreno, para extraí-lo do solo é preciso solicitar uma concessão ao Governo Federal por meio da Agência Nacional de Mineração (ANM).
Segundo assinalou a ANM à equipe de verificação da AFP em 2019, essas autorizações não têm prazo determinado e duram até a “exaustão da jazida mineral”, mas podem ser revogadas caso não seja cumprido o Código de Mineração.
A transação entre a Vale e a Hydro não ocorreu por meio de um documento secreto. De acordo com a verificação, as negociações realizadas entre as companhias (1, 2) foram publicadas nos sites de ambas as empresas.
A primeira aquisição da Hydro em ações da Alunorte ocorreu em 2000. Naquele ano, a empresa norueguesa adquiriu 34% da refinaria brasileira. Em 2011, a Hydro passou a controlar 92% da Alunorte, de acordo com informações da empresa. O restante da participação é de propriedade da empresa japonesa Nippon Amazon Aluminium, como foi confirmado por e-mail pela Hydro à AFP.
No mesmo ano, a Vale negociou com a empresa norueguesa a venda de 51% das ações da Albras e 100% das ações da mina de bauxita Paragominas, já que a bauxita é utilizada para a produção do alumínio. A transação foi divulgada pelas duas empresas.
Hydro fatura “2 bilhões” e devolve “180 milhões”
Outra afirmação feita nas postagens viralizadas é que a empresa norueguesa faturaria “2 bilhões”, sem especificar em qual moeda, e devolveria apenas “180 milhões para consertar o estrago que ela mesma causa na Amazônia”.
No relatório anual publicado pela Hydro pode-se conferir que em 2020 a receita total de suas operações no Brasil foi de 26,6 bilhões de coroas norueguesas, o que equivale a cerca de 15,5 bilhões de reais, na cotação de 5 de agosto de 2021.

O faturamento total da empresa no mundo, por sua vez, foi de 138,1 bilhões de coroas norueguesas, aproximadamente 81,4 bilhões de reais. Neste caso, os faturamentos no Brasil e no mundo são consideravelmente superiores aos dois bilhões apontados, seja em coroas norueguesas ou em reais.
A respeito dos “180 milhões” devolvidos para “consertar o estrago”, não fica claro a que as postagens se referem, mas quando as publicações começaram a viralizar, em 2019, Noruega e Brasil estavam envolvidos em debates sobre a doação do país europeu ao Fundo Amazônia.
De acordo com o site do Fundo, o governo norueguês fez 14 doações, no total de 3,1 bilhões de reais. O primeiro repasse, em 2009, foi no valor de 36,5 milhões de reais, e o último, em 2018, de 272,4 milhões.
Os 180 milhões mencionados nas postagens não correspondem nem à verba anual, nem a um possível valor constante doado ao longo dos nove anos do Fundo, que chegaria a pouco mais de 1,6 bilhão de reais.
O Fundo Amazônia tem o objetivo de “captar doações para investimentos não reembolsáveis em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, e de promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal” e é condicionado à redução da emissão de gases de efeito estufa.
Depósito de rejeitos de empresa norueguesa
As postagens afirmam que a foto mostra “a mineradora da Noruega destruindo o meio ambiente na Amazônia”.
Por meio de uma busca reversa, a equipe de checagem da AFP encontrou a imagem em uma matéria do site Amazônia Real, de 23 de fevereiro de 2018, sobre um suposto vazamento de rejeitos da empresa norueguesa Hydro Alunorte na cidade de Barcarena, no Pará.
Com crédito ao fotógrafo Pedrosa Neto, a fotografia também estava no Flickr com a seguinte descrição: “Fotos da Bacia de rejeitos da Hydro Alunorte DRS1 em fevereiro de 2018”.
Por e-mail, o AFP Checamos entrou em contato com Pedrosa Neto em 2019 para confirmar a localidade onde a imagem foi feita e sua data: “A fotografia em questão foi feita com drone, no município de Barcarena, nordeste do estado do Pará [...] no dia 20/02/2018”.
Quatro dias antes, em 17 de fevereiro de 2018, moradores da região de Barcarena, onde estão a Alunorte e Albras, denunciaram ao Ministério Público que uma “lama vermelha” teria invadido quintais e poços.
Por e-mail, tanto a Hydro quanto o autor da foto usada nas publicações afirmam se tratar do depósito de rejeitos DRS-1 da Hydro Alunorte.

Divergências sobre vazamento na Hydro Alunorte
Sobre um possível vazamento ocorrido, há divergências no caso, e o processo ainda está em andamento na Justiça Federal. A Hydro nega a existência de um transbordamento e afirma que “todas as fotos mostram que os sistemas de drenagem estão funcionando de acordo com o projeto”.
Em nota de fevereiro de 2018, a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do Governo do Pará indicou que “inspeções técnicas realizadas [...] confirmam que não houve rompimento nem transbordamento da chamada ‘lama vermelha’ do depósito da Hydro”.
Já o Instituto Evandro Chagas (IEC), órgão vinculado à Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, afirmou em relatórios após a denúncia do suposto vazamento que as águas apresentavam altos níveis de alumínio, impactando “diretamente na comunidade Bom Futuro”.
O trecho do parecer se refere ao depósito de rejeitos chamado DRS-1, onde teria acontecido o vazamento. Na refinaria Alunorte há, ainda, o depósito DRS-2, que entraria em operação porque o tempo útil do primeiro estava próximo de se esgotar. No entanto, em fevereiro de 2018, o Ibama embargou o DRS-2.
Dois meses após as denúncias, o juiz Arthur Pinheiro Chaves, da 9ª Vara Federal do Pará, determinou a proibição do uso do DRS-2 e a redução da produção de alumínio.
Na ação, o Ministério Público Federal (MPF) afirmou que “no desenrolar das investigações restou constatado o galgamento [vazamento] do DRS-2” e que ele não tinha licença de operação. O MPF mantém uma página no seu site sobre o caso Hydro.
O embargo para a produção foi suspenso em 2019, com parecer favorável do MPF, mas a vedação ao uso do depósito de rejeitos DRS-2 foi mantida. A Hydro e o MPF fecharam um acordo e apresentaram, em 30 de agosto de 2019, um pedido para que o embargo fosse retirado.
Em junho de 2021, a Semas publicou uma nota indicando que o governo do Pará havia concedido a Licença de Operação do Depósito de Resíduos Sólidos DRS-2 da Hydro Alunorte: “Foram dois anos de diálogo para que a empresa se adequasse às normas ambientais e buscasse soluções na gestão de resíduos sólidos”.
Um relatório da Comissão Externa das Bacias de Rejeitos de Mineração em Barcarena (PA) da Câmara dos Deputados apontou que a Alunorte foi responsável por outros dois acidentes semelhantes, um em 2003 e outro, em 2009.
Esta investigação foi realizada com apoio do Projeto Comprova. Participaram jornalistas da AFP, da Folha de S. Paulo e do Jornal do Commercio.